sábado, 25 de junho de 2016

Se o projeto “escola sem partido” vingar, o que será do ensino de literatura?



Se o questionamento da forma como compreendemos o mundo e a tentativa de compreender também o mundo do outro for passível de um processo judicial, o debate literário, por exemplo, estará fadado à condenação.

Por Francieli Borges, para Desacato.info.

Antigos fanáticos, motivados pelos mais torpes interesses próprios, objetivavam transformar os espaços de ensino em suas salas-de-estar, locais em que pudessem abertamente proliferar sentenças de ódio. É incalculável como essa educação que adestra ainda faz reféns. Melhoramos a passos lentos, mas sempre existem herdeiros, criaturas que se comprazem friamente em inutilizar o diálogo possível entre professores e alunos sobre os temas ligados à sociedade. Os entusiastas de tal projeto querem fazer crer que os esforços do pensamento não são necessariamente políticos – unicamente porque não é política como eles a compreendem, retrógrada e excludente, que modela o público a partir do privado. Tudo para que continuem maquinando seus objetivos danosos.

 Se o questionamento da forma como compreendemos o mundo e a tentativa de compreender também o mundo do outro for passível de um processo judicial, o debate literário, por exemplo, estará fadado à condenação.

Imaginemos a potência de crianças e adolescentes curiosos, inventivos e sonhadores, às voltas com obras nas quais os narradores, questionadores e corajosos, transmitam ideias que facilitem que esses estudantes se tornem tudo o que desejam se tornar. Há certa literatura cujos personagens parecem não ser criações de um cérebro humano, mas sujeitos irresistíveis que vivem conosco de mãos dadas, verdadeiros amigos, com eterno sorriso de sarcasmo, ironizando todos os ridículos da vida humana, lutando penosamente para vencer e adentrar lugares que injustamente nunca foram para os seus. Há uma possibilidade, uma via literária com a qual podemos nos identificar – às vezes está contemplada no espaço de uma biblioteca pública, até em um excerto descontextualizado de um livro didático – que é o núcleo irradiador de sentidos infinitos: estende-se a todos os tempos, todas as formas de existência, todos os povos. Em suma, o próprio medo de quem se pretende dono da verdade.

Confesso que ingenuamente cheguei a pensar que essas propostas de reprimenda escolar, inúteis e inacreditáveis, estavam completamente fora do seu tempo. E são, realmente, absurdas. Mas sempre haverá gente que não perdoará a audácia e as lentes de aumento de narrativas que pintem os políticos inescrupulosos, os padres devassos, os jornalistas vendidos, os homens misóginos; que escarneça os ideais ufanistas, as cinzas dos mártires trapaceiros; que troce a burguesia, a bandeira, o culto. Tais censores podem dificultar o ofício à primeira vista, sem saber que acabam sendo justamente o combustível da pilhéria do texto, do aluno, do professor. O ato literário sempre sobrevive porque se alimenta de quem pretende que ele fique abatido – se vierem ardidos qual pimenta, então, corre risco de virar um clássico. Se dizem que a história não perdoa, experimentem se meter com a literatura.

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