sexta-feira, 24 de junho de 2016

Entrevista - Jorge Forbes

Respeitado estudioso de tendências mundiais, o psicanalista Jorge Forbes chama à reflexão sobre a falência das verdades estanques e a busca das pessoas por grupos que tirem delas a responsabilidade de pensar por si mesmas


Enquanto o surto precoce da gripe H1N1 preocupa os brasileiros, o psicanalista e psiquiatra Jorge Forbes chama a atenção para outro tema, uma crise social do país que, a seu ver, é tão importante ou mais que a gripe: a falta de diálogo entre as pessoas, que estão aferradas a verdades estanques. “Essa crise social pega muito mais pessoas e o país está dividido, mas não temos vacina para isso”, comenta. Ele diagnostica o problema como uma questão da vida pós-moderna, mas ressalta que as reflexões sobre as mudanças socioculturais deste momento ainda são muito esparsas e pequenas na imprensa e no universo acadêmico. “Estamos muito atrasados para gerar conceitos que possam captar uma nova realidade do ser humano.” Forbes comenta essas questões a seguir.

PLANETA – Ultimamente temos visto muitas brigas em família e entre amigos quando o tema é política. Está faltando diálogo ou isso é uma forma de diálogo? 
FORBES – Concordo que estamos vivendo uma crise de tolerância como nunca dantes vista. Ela fica clara pela desistência do diálogo em todas as camadas. Pessoas muito próximas estão preferindo não abordar mais o assunto política porque sabem que, se o abordarem, vão ter problemas sérios. O que vemos é que estamos em uma guerra civil verbal. A um passo de uma guerra civil carnal. E quando o diálogo termina, o próximo passo é a agressão física. Por essa percepção, a PLANETA resolve dizer “opa, gente, peraí, vamos refletir”.

PLANETA – Já vimos agressões físicas em manifestações diversas.
FORBES – Sim, já está ocorrendo. Se existe tal violência que justifica deletar uma pessoa, dar um murro no outro, separar um casal e fazer irmãos brigarem, é porque as pessoas estão aferradas a verdades estanques. Hoje, porém, não existe mais uma só verdade. E isso é uma tendência da pós-modernidade. As verdades são todas provisórias. (O psicanalista francês) Jacques Lacan disse que a maior verdade que você pode alcançar é a “verdade mentirosa”.

PLANETA – Mas em algum momento existiu uma verdade absoluta ou apenas se acreditava nela?
FORBES – Até uns 40 anos atrás, o laço social era vertical e padronizado. E quando você padroniza, tem meios de estabelecer o verdadeiro e o falso, uma verdade superior. Não tínhamos outra visão. Agora, na pós-modernidade, é evidente que verdade é um constructo lógico. Sendo assim, sempre há mais de uma forma de construir uma verdade. Por exemplo, os idiomas. Quando você olha por um único binóculo, acha que o mundo é aquilo. Casa é casa, carro é carro. Quando aprende uma segunda língua, aprende uma segunda visão de mundo. Uma terceira língua, uma terceira visão. Estamos entrando em uma época em que a verdade não é mais referência estável ao laço social. Em todos os níveis o laço social será estabelecido por certezas não demonstráveis. Por exemplo, não há nenhuma razão possível, nenhuma verdade que explique o porquê de você ter um filho, muito menos por que morreria por ele. Mas tente fazer uma política sem a possibilidade de explicação. Então, a política tem de ser totalmente reinventada.
PLANETA – Como reformar esse modelo político?
FORBES – Não há nada a melhorar no sistema que nos levou à situação atual no Brasil. Tem de jogar fora. Mas qual vai ser a política? Quem descobrir vai ganhar um Prêmio Nobel. Vamos ter de descobrir isso antes de nos matarmos. E acho que o brasileiro já está sensível à questão. A “turma do deixa disso” está entrando em campo. Mas precisa ter argumentos melhores para apontar um caminho político possível que não seja a guerra.

PLANETA – Há algum exemplo político de adequação à pós-modernidade? 
FORBES – Já vemos alguns testes dessa reinvenção. Um exemplo disso é o discurso do presidente Barack Obama em Cuba. Ele escolheu se mostrar como um líder que não fala desde o local do poder, da potência e da arrogância, do “eu sei mais”. Ele fez um discurso a partir das escolhas dele. Quando ele diz frases como “vou dizer o que penso que é melhor para um país”, é como se estivesse dizendo: “Sei que a gente pensa diferente – se não pensássemos não estaríamos brigados esses anos todos. Mas tenho o direito de dizer a vocês o que penso, não tenho? E vocês, por sua vez, de dizerem o que pensam”.

PLANETA – Diante da polarização, escolher um lado é uma necessidade humana?
FORBES – Não. Os lados deveriam ser escolhidos provisoriamente. A tendência da pós-modernidade é que as pessoas se reúnam em grupos e os desfaçam depois de um tempo. Quando você faz uma escolha, quer compartir seu prazer, a expressão dessa escolha, com outras pessoas. Por isso há grupos que gostam de carros antigos, de viajar para a Disney, de filosofia…

PLANETA – Quando esses grupos se tornam nocivos?
FORBES – Quando aquilo que, num primeiro momento, é levado para um compartir vira, num segundo momento, uma fortaleza, um grupo de defesa. A instabilidade da verdade faz as pessoas buscarem transformar grupos de pertencimento em grupos radicais. Quando se tem dez coisas e se escolhe uma, a única certeza que tenho é que perdi nove. O que num momento era opção passa a ser verdade absoluta. E a preguiça de se responsabilizar por seus desejos leva as pessoas a querer ter o conforto do grupo. Se escolhe uma religião e existe outra, quer dizer que talvez outra pessoa possa estar errada. E ela já escolheu uma religião para não estar errada. Essa foi a resposta dos extremistas do Estado Islâmico. Dá muito mais trabalho defender uma postura mais equilibrada. É bem mais tranquilo ter um pastor dizendo o que você deve fazer, pensar, comer e vestir. Uma escolha é sempre um ato arriscado.

Revista Planeta

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