quinta-feira, 9 de junho de 2016

Crônicas do Dia - Um soco no útero - Ruth de Aquino

O estupro coletivo da jovem de 16 anos, “uma mina amassada” por mais de 30 homens, numa favela do Rio de Janeiro, me deixou com as mãos trêmulas, um misto de raiva e impotência. A garota se queixa de fortes dores internas, “como se fosse no útero”. Não vi o vídeo de 40 segundos que exibiu a moça inconsciente, com sua nudez violada e ensanguentada. Foi por seu corpo – o mesmo corpo que deu à luz um filho quando ela só tinha 13 anos – que “o trem-bala passou”.


“É nós, trem-bala Marreta”, gabou-se um dos estupradores no vídeo. Referia-se ao grupo de traficantes do Comando Vermelho chefiado por Luiz Cláudio Machado, o Marreta, preso em 2014 no Paraguai. Os homens estavam armados de fuzis e pistolas. A jovem tinha ido encontrar um rapaz de 19 anos, o “Petão”, em sua casa, na Zona Oeste do Rio. Saía com ele havia uns anos após se conhecerem no colégio. Disse que acordou no dia seguinte, observada pelos homens armados.

Não é o primeiro nem será o último estupro coletivo – ou gang rape, como se diz lá fora. Neste momento, o Piauí investiga uma denúncia de estupro coletivo de uma jovem de 17 anos. A cada 11 minutos, uma mulher é violentada no Brasil. No Rio de Janeiro, 12 são estupradas por dia. Os casos mais chocantes envolvem o próprio pai, parentes, namorados, vizinhos, ou gangues.

Muitos ataques terminam em morte. Os números não refletem a realidade. É um crime difícil de denunciar – pela vergonha e pelo desânimo. Pesquisas internacionais indicam que apenas 35% dos casos são notificados. A barbárie também está no inconsciente coletivo de sociedades machistas que culpam as vítimas. Quem usa saia curta ou namora traficante se sujeita a ser estuprada. Essa é a lógica das favelas e do asfalto.

Se isso explicasse o abuso, não haveria estupros em campus de universidades, em festinhas da elite ou dentro de casa. No ano passado, surgiu um blog com um manual Como Estuprar Mulher na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. O blog, do “Tio Astolfo”, “em prol da Filosofia do Estupro”, chamava as estudantes de “vadias”. Não soube de nenhuma prisão por isso.

Essa moça no Rio de Janeiro foi estuprada por ser mulher. Os bandidos divulgaram sua façanha em vídeo entre risos e sem disfarce. Foi um soco na consciência nacional. Pela lei, quando a vítima do estupro tem entre 14 e 18 anos, a sentença para os criminosos é de oito a 12 anos de prisão. Quantos realmente são punidos?

Um crime hediondo desses deveria ser punido com a prisão perpétua – sem levar em conta a idade dos criminosos. Sabemos que só a Educação, nas escolas e em casa, pode reduzir o abuso a longo prazo. Mas o investimento na Educação deve ser acompanhado do rigor na lei. A impunidade gritante encoraja outros a se sentir mais machos com os estupros.

“Esta aqui é a famosa ‘come rato’ da Barão”, diz um homem enquanto aponta para a moça desacordada e nua. “Mais de 30 engravidou (sic)”, diz outro. “Amassaram a mina, intendeu ou não intendeu (sic)?” “Olha como é que ela tá! Sangrando...”, disse, abrindo as pernas da jovem. Barbárie, covardia e o que mais? Não tem nome para isso.

A jovem soube do vídeo, foi à favela e pediu ao chefe do tráfico seu celular roubado. À polícia, ela disse que usa ecstasy e lança-perfume mas não usava entorpecente havia um mês. Da noite do crime, diz não se lembrar de nada. A mãe da moça é professora e pedagoga. A família chorou ao ver o vídeo. O pai disse: “Bagunçaram minha filha”.

Bagunçam o Brasil todos os que não se indignam. Mas especialmente figuras abjetas como o ator Alexandre Frota, recebido pelo ministro da Educação Mendonça Filho com “propostas para um ensino sem doutrinação”. O ministro disse em sua defesa: “Não discrimino ninguém”. Dê uma olhadinha na participação de Alexandre Frota em um programa de TV em maio de 2014, Agora é tarde. E perceba como o senhor deve desculpas tardias a si mesmo e a sua família pela agenda descabida.

No programa do humorista (?) Rafinha Bastos, na Rede Bandeirantes, Alexandre Frota disse que fez sexo por trás com uma mãe de santo após deixá-la desacordada com pressão sobre a nuca. “Comi uma mãe de santo”, disse e repetiu Frota, provocando risos e aplausos. Nojo total.

O ator constrangeu uma menina, chamada na plateia para representar o traseiro da mãe de santo. Frota falava de bunda e alisava seu pau. “Como a mãe de santo não falou nada, então pensei: vou comer”. E por aí foi, estimulado por um sorridente Rafinha Bastos.

Todos ali são cúmplices de apologia ao estupro, mesmo que o ator troglodita tenha dito depois, diante de protestos, que tudo não passava de “uma piada”. País onde estupro é piada é país que dá soco no útero de suas mulheres.

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