terça-feira, 17 de maio de 2016

Personalidades - Dez anos após primeiro disco, Criolo lança nova versão de ‘Ainda há tempo’ Álbum tem faixas ‘consertadas’ e um antigo rap que parece feito para tragédia de Mariana

RIO — Quando lançou “Ainda há tempo”, em 2006, Criolo ainda era Doido. O músico, que na época carregava o adjetivo no nome artístico, organizava a Rinha dos MCs em São Paulo e era um nome influente apenas no cena hip-hop. Uma década depois, aos 40 anos, Criolo extrapolou o rap, fez dois bem-sucedidos discos misturando a sonoridade afro-brasileira às rimas, e gravou um álbum de duetos com Ivete Sangalo em homenagem a Tim Maia. Decidiu, então, que era hora de voltar ao começo. Ou, como diria Kanye West, back to basics. Criolo chamou alguns dos beatmakers mais inventivos desta geração — como a dupla do Tropkillaz, Papatinho, Nave e Renan Saman — e gravou uma nova versão para o seu disco de estreia. Com direção musical de Daniel Ganjaman, seu parceiro desde “Nó na orelha” (2011), o disco repaginado está disponível para download gratuito a partir de hoje no site criolo.net.


— Não estou apenas regravando músicas velhas — ele diz. — Estou recontando uma história que algumas pessoas não conhecem. Sem nenhuma pretensão. Muita gente não conseguiu ouvir o disco ao vivo, porque ele nem teve show de lançamento.

Por ter sido lançado sem grande repercussão, “Ainda há tempo” se tornou cultuado apenas pelos fãs mais dedicados. Encontrar uma cópia do disco à venda não é exatamente fácil. Como Criolo pensava em comemorar os dez anos do álbum com uma série de shows acompanhado apenas por um DJ, precisou regravar tudo — dos vocais até as batidas. A fita master do disco se perdeu e, muito por conta disso, surgiu a ideia de convocar novos produtores para reinventar as faixas. Daí acabou surgindo o novo álbum.

DE 22 PARA 9 FAIXAS


O “Ainda há tempo” 2.0 é bem mais enxuto do que o original. Em vez das 22 faixas lançadas há dez anos, agora são apenas nove e uma música-bonus. A duração diminuiu na mesma medida: de 1h09m, o álbum agora tem apenas 33 minutos. O resultado foi uma espécie de “melhores momentos”, uma concentração dos pontos altos do álbum de 2006. Músicas que costumam fazer grande sucesso com o público, como “Breáco” e “Demorô”, ganharam potentes versões.

Criolo diz que usou “a emoção” como critério para selecionar as faixas que ficaram. O que falasse mais alto, ganharia lugar no disco. Das nove, há também uma intrusa, ali: “Vasilhame”. A faixa foi composta depois de 2006 e é outro daqueles hits que empolgam a plateia durante os shows.

De certa forma, a mutação de “Vasilhame” reflete bem o poder do tempo sobre um artista. Originalmente, a faixa, que é uma pregação contra o consumo desenfreado de bebidas alcóolicas, tinha uma menção pejorativa a travestis (“Os traveco tão ali/ Ah, alguém vai se iludir”). Nos últimos tempos, Criolo vinha suprimindo estes versos durante os shows. A versão “consertada” foi a que ganhou registro no disco.

— Quando você é jovem, pode magoar alguém sem saber — explica. — Não porque você é mau, mas porque ninguém falou para você que aquilo poderia ser ruim. O conhecimento traz luz. Não foi só essa modificação que fiz nas letras. Revi tudo e mudei aquilo que não tinha necessidade de ficar. Não tenho problemas em dizer que errei.

Por outro lado, Criolo procurou manter os acertos. Versos inspirados, como “De carro com bitches/ O boy se acha grande/ Olho no lance/ Grande foi Mahatma Gandhi” continuam lá. Assim como antigos parceiros. Rael, que no passado era Da Rima, repetiu sua participação no reggae-rap “Tô pra ver”. E DJ Dan Dan, fiel escudeiro do rapper, divide, pela primeira vez, os vocais de uma faixa com o amigo, em “Até me emocionei”.

Algumas músicas de “Ainda é tempo” se mantêm tragicamente atuais. É o caso de “Chuva ácida”. Com versos como “Mercúrio nos rios/ Diesel nos mares/ O solo estéril/ É, já fizeram sua parte”, o rap parece ter sido feito como um protesto contra o desastre das barragens da Samarco em Mariana (MG), que completou seis meses ontem.

‘'Não estou apenas regravando músicas velhas. Estou recontando uma história que algumas pessoas não conhecem'’


— Compus “Chuva ácida” para um concurso sobre meio ambiente há mais de 20 anos. Infelizmente, as coisas continuam iguais — ele diz.

Em termos de música popular, uma década é um período poderoso (os Beatles, por exemplo, gravaram toda a sua discografia entre 1962 e 1970). Consciente dessa amplitude, Criolo se diz incapaz de projetar os caminhos que estará trilhando daqui a dez anos, quando completará 50. Mas não vacila em apontar o que mudou no rapper do Grajaú de 30 anos para o músico brasileiro de 40:

— Hoje sei que tenho muito mais a aprender do que achava que tinha a aprender há dez anos — filosofa ele, que se diz otimista com o futuro do país. — As atitudes que a gente toma hoje vão se refletir por muito tempo. É bom estar atento. Mas é impossível não ficar esperançoso toda vez que eu vejo a garotada ocupar as escolas e reivindicar melhores condições para alunos e professores.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/musica/dez-anos-apos-primeiro-disco-criolo-lanca-nova-versao-de-ainda-ha-tempo-19242579#ixzz48uXC0YlN 

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