quarta-feira, 25 de maio de 2016

Artigo de Opinião - A tecnologia pegou de jeito o Romero Jucá

24/05/2016 
Com tantos censores espalhados pelas redes, esse retrocesso está apenas começando

O DIA


Rio - A facilidade de expressão via Internet pode nos levar a crer que a censura morreu. Mas há uma certa inocência aí. Os velhos censores estão aposentados porque a tarefa de bisbilhotar a vida alheia não é mais exclusividade do Estado. Para o bem ou para o mal, qualquer um tem acesso a tecnologias espiãs. Foi nessa que o Romero Jucá se deu mal, provavelmente perdendo sua sinecura.

Mas Jucá não é a única vítima. Ao longo do tempo, os censores perderam seu emprego à medida que as tecnologias se mostraram mais eficazes no acompanhamento e no registro das vozes dissonantes. A NSA, poder supremo da espionagem dos EUA, vive disso. A China, também, e por aí vai. 

Uma das intenções dessas tecnologias é a censura. Como elas estão disponíveis, ninguém mais sabe quando está sendo acompanhado, seja pelo Estado, seja por qualquer amigo ou inimigo. O Romero Jucá, por exemplo, está sentindo esse processo na pele. Ele até que mereceu, claro.

Mas não posso deixar de ver que há um perigo nessa fartura de censores à solta. O primeiro sintoma desse retrocesso é a autocensura, bastante evidente nos facebooks da vida. Você, por exemplo, que gosta de fotografias de mulheres nuas, pode compartilhá-las livremente na sua rede social? Não. Para que seu perfil não seja cortado do Facebook, o que você faz, se não a autocensura? Pois é disso que estamos falando.

A autocensura mata o debate das ideias, como fica claro em “Os censores em ação”, do Robert Darnton, que analisa o uso intensivo da censura por Estados absolutistas. Darnton cita Milan Kundera:

“A verdade só pode ser alcançada por meio do diálogo de opiniões livres que desfrutam de direitos iguais. Qualquer interferência na liberdade de pensamento e de palavra, por mais discretos que sejam os mecanismos e a terminologia de tal censura, é um escândalo neste século”.

O problema nem é tão recente. A escritora Krista Wolff, por exemplo, chegou a dizer, nos anos 80, que não se sentia vítima por ter sido censurada pelo Estado na sua Alemanha Oriental. E completou: “Eu seria vítima se a censura se tornasse autocensura”.  Com tantos censores espalhados pelas redes, esse retrocesso está apenas começando.

Nelson Vasconcelos é jornalista

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