segunda-feira, 16 de maio de 2016

Artigo de Opinião - Depois do dia seguinte

José Paulo Kupfer, O Globo

O vice-presidente Michel Temer está a todo vapor na missão de formar o Ministério de seu governo. Parece ter isolado a área econômica dos acordos partidários que teve de fechar para garantir a abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Faz sentido concentrar esforços na área econômica.


Sem uma reorganização mínima da economia, o resto não ficará de pé e a confiança em dias melhores, que, de saída, acompanha novos governantes sucessores de outros mal avaliados, não se sustenta. Todos sabem — e Temer sabe antes de todos — que não disporá de muito tempo para mostrar serviço.

O relógio que vai marcar o período de graça, no qual ele terá de encontrar saídas para manter as expectativas positivas iniciais, se tudo correr como previsto, começa a rodar logo ali em 20 dias e o espaço de manobra vai até setembro, quando está previsto o julgamento no Senado Federal.

Mesmo supondo que as sombras da Lava-Jato e dos processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não se projetem sobre Temer e seus aliados, produzindo instabilidades adicionais no ambiente político, a missão a que o vice se propôs é, como se diz no mundo corporativo, desafiadora.

O desafio inclui lidar com a parcela das ruas que se colocou contra o impeachment e que promete manter pressão, lembrando a Temer que, se as pesquisas de opinião rejeitam a presidente Dilma Rousseff para chefiar o governo, não o aprovam para a mesma função.

A recusa de Armínio Fraga, “ministro da Fazenda” do PSDB, a aceitar convite para pegar o osso da economia é um bom indicativo das dificuldades pela frente. Sinais e ações concretas terão, portanto, de ser oferecidos logo na partida.

O foco natural é o ataque aos desajustes das contas públicas e é nessa direção que se pode esperar o anúncio de uma reforma administrativa. Enxugar ministérios e reduzir o número de cargos de confiança só depende da caneta presidencial e, embora não tenham efeito excepcional no corte de gastos, são atos capazes de exercer forte impacto positivo nas expectativas.

Daí em diante, porém, nada se vislumbra tão fácil. Antes da reforma da Previdência, de alterações de cunho liberal na legislação trabalhista e de revisões em programas sociais, uma longa lista de medidas, previstas no documento “Ponte para o futuro”, programa da “campanha eleitoral” de Temer, terá de passar pelo crivo do Congresso.

A renegociação das dívidas dos estados será o primeiro de uma série de duros testes. Faz parte dessa lista a adoção de revisões anuais do Orçamento, dentro dos princípios do “Orçamento Base Zero”, entre outras medidas polê- micas — desindexar benefícios atrelados ao salário mínimo e rever sua fórmula de cálculo são algumas delas.

Isso exigirá eliminar a vinculação obrigatória de gastos orçamentários, alguns constitucionais, como no caso da Saúde e da Educação. A base parlamentar de apoio ao governo Temer promete ser confortável, mas nem é preciso invocar o espetáculo da votação do impeachment na Câmara para lembrar que se trata de uma maioria instável, sujeita a interesses variados e flutuantes.

Há coisa de um mês, por exemplo, com o apoio de 400 deputados, foi aprovado, em primeira votação, um aumento da vinculação de gastos para a Saúde.

Interessante também será observar a reação, dentro e fora do Congresso, a propostas de au- mento de tributos, que apoiadores de Temer e do impeachment antes repeliam, mas passaram agora a considerar como inevitáveis, diante da urgência de estancar a sangria fiscal.

Essa, sem dúvida, é uma manobra quase incontornável para apoiar, sem renovar pressões inflacionárias, a possibilidade de baixar as taxas de juros, aberta pela trajetória de queda da inflação.

Sem taxa de juros mais baixas, a retórica da confiança empresarial no novo governo não se transformará em decisão de investi- mento, dificultando qualquer esforço de reto- mada do crescimento.

José Paulo Kupfer é jornalista

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