quarta-feira, 20 de abril de 2016

Crônicas do Dia - Querida Fernandinha Torres


Fernandinha Torres escreveu incrível artigo sobre sua condição de mulher. Foi mais xingada, amaldiçoada e vilipendiada do que fiel que bebeu o dízimo

19/04/2016 

Miguel De Almeida, O Globo

O espírito do sindicalismo de resultados, ora vigente, inaugurou o artista que luta pela censura, o mercenário digital e ainda (talvez o pior de todos) o feminismo de oportunismos. Tudo isso nos levou a ser um país de covardes intelectuais.

Até o momento em que escrevo, nenhuma intelectual de peso (mesmo peso-leve) marcou posição contrária à patacoada praticada pela ex-amante abandonada (na Europa) Mirian Dutra contra Fernando Henrique Cardoso, ao bullying desonesto sofrido por Fernandinha Torres e ao seco comentário do ex-ministro Lula acerca do grelo duro de suas companheiras.

Pelo contrario. O feminismo de oportunismos se alia ao silêncio dito estratégico em nome da causa. São traições (ao gênero), omissões (dos fatos) e canalhices (ideológicas). Um companheiro (ora nos ares da República de Curitiba), irritado com a oposição da brava Luciana Genro, se referiu a 1940, quando o chacal de Stalin, Ramón Mercader, assassinou Leon Trostsky.

Quis o destino que o detido para esclarecimentos revelasse ao público a matriz do atual clima stalinista de perseguições, do empoçamento de biografias e do falseamento de informações. A História não perdoou os cães de Stálin e não o fará com os vira-latas brasileiros.

De novo não vi nenhuma intelectual brandir armas em defesa de Luciana Genro. É possível que também tenha me fugido algum comentário das feministas em defesa da jornalista Debora Bergamasco, acusada (!) de ser ex-amante do José Eduardo Cardozo. Bergamasco fez uma reportagem contra o governo. Vira e mexe (com respeito) informações de coxia trazidas à tona pela colunista Monica Bergamo são creditadas a seus namorados!

Ouvi, com esses ouvidos que já ouviram cumprimentos respeitosos de Chet Baker e Miles Davis, da deputada Maria do Rosário, com seu jeitinho papa-hóstia, a defesa do uso da expressão grelo duro violentada pelo companheiro Lula.

Jacques Passivo Wagner esbravejou quando Aécio Neves qualificou a candidata Dilma Rousseff como leviana, com a mentira de que leviana é sinônimo de mulher da vida no Nordeste. Como Aécio só conhece o Leblon, ficou com aquela cara de cliente da Osklen quando não encontra seu número e não peitou dizendo que nem no Brega da baixo Castro Alves, em Salvador, leviana pode ser visto como palavrão.

Com esforço sintático, apenas mulher leviana é tomado por insulto. Mesmo assim vai depender de quantas doses estão na cachola… Pois Maria do Rosário, em seu estilo verão-quermesse, atenuou, assoprou e aliviou Lula pela referência baixo ventre ao grelo duro de suas companheiras. Estivesse na boca de José Serra e ele teria de localizar a travessa Gregório Duvivier sem Waze.

A causa, a causa. À esquerda e à direita.

Fernandinha Torres escreveu incrível artigo sobre sua condição de mulher. Foi mais xingada, amaldiçoada e vilipendiada do que fiel que bebeu o dízimo. O que ela fez? Escreveu um mea-culpa — e mesmo assim continuou a ser xingada.

Blogueiras e outras ativistas não aceitaram suas desculpas. Pobre Fernanda: acostumada aos aplausos por seu talento dramático e de escritora, arriou frente ao tiroteio vindo das hostes onde grassam raciocínios dolosos, formulações tapa-sexo e inveja de mulher bonita e inteligente. Fernanda, você deveria saber que a pior de todas são as inimigas íntimas, querida.

O silêncio feminista à delação (premiada?) de Mirian Dutra esconde a luta política contra o grão-tucano FHC. A história irá perdoar o zíper fechado adotado por renhidas feministas como Marilena Chauí, Maria da Conceição Tavares e José de Abreu? Imagine se Patrícia Galvão não pegaria em armas para criticar o feminismo de oportunistas.

Miguel De Almeida é editor e escritor

Nenhum comentário:

Postar um comentário