Ex-ministro da Educação condenou projetos como o Escola Sem Partido, por evitarem que a escola questione ideias
THAIS PAIVA 3 de junho de 2016
“Antes de falar sobre o que precisamos fazer pela Educação brasileira no século XXI, é preciso ver o que ficamos devendo para o século XX”.
Com essa perspectiva retroativa, Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política na USP e ministro da Educação entre abril e outubro de 2015, iniciou sua fala no Congresso Nacional de Educadores, evento organizado pela Pearson nos dias 1 e 2 de junho, em São Paulo. O encontro reuniu gestores e docentes sob o tema “Educação Brasileira no século XXI”.
Janine apontou, por exemplo, que o Brasil tem um atraso monumental mesmo comparando com o resto da América Latina. A América hispânica e inglesa fundaram universidades bem mais cedo em suas histórias, o que fica evidente quando se olha para os avanços sociais e educativos em países como Argentina, Chile, Costa Rica e Cuba.
“Chegamos à República e ao final do século XX com uma educação precária. Só há mais ou menos 24 anos é que temos a preocupação séria de melhorar nossa educação. O Brasil até então tinha sido planejado para ter uma educação ruim, para que a sociedade fosse desigual, a mão de obra barata. Tivemos a construção minuciosa do atraso porque não havia interesse de que a população fosse crítica”, apontou.
Segundo o professor, como uma edução pública de qualidade é pressuposto para se ter uma democracia efetiva, o Brasil acabou ficando para trás também nesse aspecto. Janine destacou ainda a importância de universalizar a alfabetização para se alcançar uma democracia mais sólida.
Apesar de classificar o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014, como arrojado e ambicioso, o ex-ministro considerou tímida a meta de alfabetizar todas as crianças até o final do 3º ano do Ensino Fundamental. “É tímida, mas é baseada no dado de que 22% dos alunos da escola pública não sabem ler até o final do 3º ano, 35% não sabem escrever e 57% não sabem fazer operações matemáticas. Esses alunos vão ficando para trás. No final da etapa, são quase 3/5 das crianças que a educação não terá ajudado a ter sucesso profissional”, observou.
Sobre a qualidade da educação pública brasileira, Janine reconheceu alguns avanços, mas ressaltou que ainda é preciso fazer muito. “Estamos entre os últimos lugares do Pisa, mas o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] mostra que vamos avançando aos poucos. E aí é importante dizer que fazemos uma escolha: qualidade ou quantidade”, afirmou. “Se tivéssemos mantido uma quantidade de alunos limitada, a qualidade teria subido mais. O Brasil decidiu ampliar a quantidade de alunos matriculados e isso gera um atraso na qualidade. Mas, claro, não podíamos ter deixado essas crianças fora da escola”.
Em outras palavras, o grande desafio da educação pública brasileira é torná-la ao mesmo tempo universal e de qualidade. “Resumindo, a educação no País não foi até hoje capaz de superar o caráter brutal da desigualdade”.
Janine também colocou que o resultado mais importante da educação é ter um ser humano mais aberto para o mundo. “Por isso, esses projetos como o Escola Sem Partido não fazem sentido, porque eles querem evitar que a escola questione as ideias com que as pessoas chegam. E essa é sua função”.
Além do papel de formação cidadã, isto é, de preparar alguém capaz de participar das decisões políticas do País, a educação tem como função formar para a profissão. “Não estamos conseguindo o resultado mais importante, econômico e social, de uma boa educação. Temos uma mão de obra com problemas de produtividade, uma economia com problemas de competitividade, uma sociedade desigual e injusta. Se antes era bom para o fazendeiro ter mão de obra ignorante, hoje para o empresário isso não convém”.
Portanto, para o século XXI, os brasileiros têm o desafio de universalizar uma educação de melhor qualidade já que a mão de obra tem de ser cada vez mais qualificada. “Acabou a fase do trabalhador analfabeto em tarefas não criativas como rurais, domésticas. E novas habilidades têm de ser ensinadas como espírito crítico, criatividade e inteligência emocional. Talvez a que deva vir em primeiro lugar seja mesmo o espírito crítico“.
Em uma sociedade verdadeiramente civilizada, Janine apontou, você irá encontrar pessoas que simpatizam com a direita, liberal e a favor da iniciativa privada com pouca interferência do Estado, e gente que simpatiza com a esquerda, que vai ser mais solidária, a favor da intervenção do Estado, se preocupar mais com a questão da desigualdade. “São duas visões legítimas, desde que democráticas, desde que não corruptas. E a pessoa precisa ser ensinada a pensar criticamente para que possa decidir e se posicionar”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário