Em 399 da era antes de Cristo, Sócrates foi julgado por um grupo de 501 cidadãos, escolhidos por sorteio. Cabia ao próprio acusado defender-se.
O libelo contra o velho Sócrates era vago. Em suma, acusavam-no de corromper a juventude. Sócrates não era um pensador inofensivo. Ele possuía a coragem de dizer o que pensava.
Havia pouco, os atenienses “descobriram” a democracia. Tanto assim que batizaram a nova ideia, segundo a qual as pessoas deveriam manifestar as suas opiniões, a fim de que a sociedade caminhasse de acordo com a vontade da maioria de seus membros. Tratava-se de um conceito revolucionário. Não havia democracia no mundo antigo. Mandava o rei, o soberano, o sacerdote.
A democracia, contudo, trazia profundos desafios. O julgamento de Sócrates se relacionou precisamente a esse tema.
Sócrates não oferecia respostas. Seu famoso estilo consistia em questionar. Ele apresentava uma série de questões ao interlocutor e, a partir daí, chegava a novas conclusões. Muito popular entre os jovens, o filósofo incitava um importante questionamento: haveria, de verdade, democracia? Atenas era uma democracia ou os políticos (outra palavra de origem grega) tratavam o povo como um rebanho?
Segundo Sócrates, os humanos eram dotados de qualidades distintas e alguns gozavam da aptidão para liderar. Outros, não. Para Sócrates, o comando deveria ser entregue apenas aos competentes, assim como a filosofia ficaria ao encargo dos filósofos e os sapatos, aos sapateiros. Esse discurso era corrosivo. Tanto naquela época, quanto hoje.
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Pode-se, ainda, dizer que o filósofo questionava a possibilidade de o povo, que ele metaforicamente chamava de gado, ser conduzido por políticos demagogos (mais um termo grego). A democracia, assim, poderia ser perigosa, pois um político hábil levaria a massa para onde quisesse.
Outra forma de ver a crítica de Sócrates era compreendê-la como um importante alerta: para votar, deve haver educação. A capacidade para se manifestar deve ser desenvolvida e aprimorada. O homem necessita de instrução, deve ser municiado de informação para que nele floresça um senso crítico. Sem discernimento, o povo torna-se um alvo fácil para a manipulação.
Mesmo sem uma acusação clara, Sócrates foi condenado à morte.
Antes de beber a amarga cicuta, cercado de seus discípulos, foi dado a Sócrates a opção de fugir da cidade — e, por consequência, escapar daquela condenação que a todos parecia injusta. O filósofo optou por respeitar o Estado e as suas ordens.
A democracia grega morreu pouco depois de Sócrates. Atenas foi dominada pela vizinha Esparta, onde jamais floresceu a democracia, e, depois, pelos macedônios. O governo do povo, ao menos formalmente, apenas voltou a existir com a Revolução Americana de 1776. Até hoje, a democracia não é uma conquista estabelecida na civilização.
Os recentes acontecimentos políticos que paralisam o Brasil reclamam um novo julgamento para Sócrates.
Se o filósofo estivesse aqui, certamente indagaria: existe democracia sem educação? É justo usar de escudo 50 milhões de votos contra qualquer acusação? O Congresso Nacional não foi eleito também pelo povo? Por que o povo ontem votou de uma forma, mas no dia seguinte vai às ruas reclamar de seu próprio voto? As campanhas para um cargo público visam a difundir ideias ou simplesmente a arrebanhar?
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O futuro da democracia encontra-se intimamente ligado à educação. Sem um povo instruído, consciente da responsabilidade de seu voto, a democracia é uma farsa.
Há, ainda, outro ensinamento evidente: ainda que os derrotados, quem quer que sejam eles, sintam-se injustiçados, cabe a eles beber a cicuta.
José Roberto de Castro Neves é professor de Direito da PUC e da FGV
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/mais-um-julgamento-para-socrates-19441326#ixzz4AwzV8Qz8
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