quarta-feira, 19 de julho de 2017

Crônicas do Dia - A culpa não é da mídia -


Na Antiguidade, havia reis que mandavam exterminar emissários da notícia ruim, depois de recebê-la, claro. Hoje, há quem gostaria de fazer o mesmo com os jornalistas


Zuenir Ventura, O Globo


Recebi do leitor José Marques Santos de Faria uma severa crítica ao comportamento da imprensa em relação ao Rio. Cito o principal trecho. Ele acha, e não só ele, que o “baixo astral e a baixa autoestima” do carioca são devidos a uma “tentativa de criar um clima de pessimismo, desânimo e desesperança” por parte dos que ele acusa de torcer contra. “São os falsos que dizem gostar do Rio, mas na realidade querem mesmo é desqualificar a cidade”. Além de políticos honestos, ele afirma que “precisamos de uma mídia menos paranoica e obsessiva por mazelas e notícias ruins”.

Em outras palavras, a culpa é da imprensa.

Não é a primeira vez que se pensa desse jeito. Na época do “Ame-o ou deixe-o”, os militares também atribuíram a ela a má imagem do governo e passaram a proibir as notícias que consideravam negativas, isto é, que denunciavam as prisões arbitrárias e a tortura dos que faziam oposição ao regime.

Não adiantou. A censura não conseguiu melhorar a má fama.

Da mesma maneira, não é a mídia que cria o atual clima do Rio, como acredita o leitor, mas a realidade, e esta tem que ser revelada pela imprensa, não escondida.

São os fatos, não o seu relato, os culpados.

Na Antiguidade, havia reis que mandavam exterminar os emissários da notícia ruim — depois de recebê-la, claro.

Hoje, há quem gostaria de fazer o mesmo com os jornalistas, esquecendo-se de que a melhor maneira de gostar de uma cidade não é omitindo seus problemas e suas mazelas, mas expondo-as e exigindo soluções das autoridades, até porque os acontecimentos no Rio são tão evidentes e invasivos do nosso dia a dia que é impossível desconhecê-los.

Não foi a mídia que inventou as balas perdidas, os arrastões, os tiroteios, as milhares de crianças sem aulas por causa da violência.

Como ignorar que o estado está tão falido que decretou calamidade financeira?

Como ignorar que o TCE reprovou as contas de 2016 do governador por ter cometido várias irregularidades como, para só citar um caso, destinar quase um R$ 1 bilhão a menos para a educação. Quem comprovou e revelou isso foi o próprio tribunal; coube à imprensa cumprir sua obrigação de divulgar.

Também se acusou a “mídia golpista” de ser usada pelo juiz Sérgio Moro para incriminar um grupo político e poupar outro nas investigações da Lava-Jato.

A versão acabou desmoralizada pelos fatos. Basta ver as denúncias e prisões mais recentes. Elas demonstram que, da mesma maneira que a corrupção é suprapartidária, o seu combate também não respeita siglas — assim como a notícia.

A culpa não é do emissário.

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