Pelas circunstâncias que o levaram ao poder, Michel Temer, em lugar do tradicional crédito, começa com déficit de confiança
14/05/2016 - 15h04
No seu discurso de posse, o presidente interino Michel Temer fez questão de ressaltar que a primeira palavra que dirigia ao país era “confiança” — no caráter do povo e na vitalidade da democracia. Faltou dizer que é do que ele mais precisa também. Os governantes, em geral, começam com um crédito de confiança, uma espécie de permissão para errar — é a clássica lua de mel dos cem primeiros dias.
Com ele, é diferente: estes cem (ou 180) podem ser os últimos. Pelas circunstâncias que o levaram ao poder, Temer, em lugar do tradicional crédito, começa com déficit de confiança. Terá que conquistá-la e, como ele mesmo já disse, seu tempo é curto e não comporta erro.
A promessa de “um governo de salvação” que pretende fazer o que não foi feito, como as reformas política, fiscal, agrária e, principalmente, da Previdência, encontrará pela frente a oposição implacável de um partido que, ao contrário do PSDB, sabe ser do contra.
Com a agravante de que não vai se resignar pacificamente com a perda abrupta de 13 anos do prazer do poder. Ela será implacável, trará a faca nos dentes, e não vai dar trégua. Dirigentes petistas já anunciaram que lutarão “até o fim”, e a própria Dilma, ao se despedir, avisou: “A luta pela democracia não tem data para terminar”.
A “democracia”, claro, é ela, que terá à sua disposição tempo e avião de graça para percorrer o país denunciando o “traidor” que chefiou a “conspiração” que a derrubou. E quando se pensa nos cargos que o PT vai perder, pode-se prever a presença de dez mil militantes a mais nas ruas. Mas os que conhecem Michel Temer confiam no seu caráter conciliador para, como prometeu, unir e pacificar uma sociedade politicamente dividida.
Na montagem do Ministério, porém, a sua tão decantada habilidade não impediu que provocasse a maior confusão nos meios científicos ao convidar para a Ciência e Tecnologia um pastor criacionista. Diante da reação dos cientistas, ele voltou atrás e transferiu o religioso para outra pasta, garantindo assim na Câmara os 22 votos do partido que o bispo controla.
Ele pode sempre alegar que é o presidencialismo de coalizão. Ou de acomodação? Outro passo em falso de quem admite não poder errar foi extinguir o Ministério da Cultura, fundindo-o com o da Educação e provocando os primeiros protestos contra sua administração. Cultural e politicamente, terá valido a pena, por uma discutível economia de despesas, desagradar a uma área que já não lhe era inteiramente simpática e que tem grande visibilidade, prestígio e uma enorme capacidade de vocalizar suas queixas e reivindicações?
Não é o que se esperava de um presidente-poeta que, ao que se diz, sonha entrar para a Academia Brasileira de Letras. Assim, não vai ter o meu voto. l
Zuenir Ventura é jornalista
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