Queda nos royalties do petróleo gera crise nas cidades do Rio
Obras faraônicas nos últimos 15 anos estão abandonadas, e prefeituras cortam gastos na área social
CAMPOS DOS GOYTACAZES, MACAÉ, QUISSAMÃ e RIO DAS OSTRAS - A exemplo do Estado do Rio de Janeiro — que não soube aproveitar a herança gerada pelos recursos oriundos do petróleo —, as cidades do Norte Fluminense vêm sofrendo com a pouca diversificação de suas economias e, hoje, têm de lidar com pesados cortes no orçamento. Dilemas realçados pelo legado de maus investimentos feitos nos últimos quinze anos, definidos por um prefeito da região como “ufanistas”. Em 1999, logo após a abertura do setor de petróleo, os municípios do Estado do Rio receberam R$ 222,7 milhões em royalties e participações especiais. O número saltou quase 2.000% e, em 2014, chegou a R$ 4,654 bilhões, em valores correntes. Com a queda do preço do petróleo no mercado internacional e a crise da Petrobras, a farra dos royalties perde fôlego. No ano passado, a arrecadação caiu 35% para R$ 3,022 bilhões, segundo dados da InfoRoayalties, com base na Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Com menos recursos em caixa, ainda prevalecem sinais dos tempos de gastança, como a recém-inaugurada Cidade da Criança em Campos dos Goytacazes, chamada na região de “a Disney de Campos”. O empreendimento poderá um dia se juntar à famosa e polêmica calçada de porcelanato em Rio das Ostras e ao parque recreativo de Macaé. Hoje, o retrato da crise se faz presente nos dois projetos, inaugurados há mais de dez anos: o abandono.
Só quem chega na Praça Alzira Vargas, no centro de Campos, entende a dimensão do novo parque, que consumiu investimentos de cerca de R$ 17 milhões da prefeitura e começou a ser desenvolvido há cinco anos. O parque ocupa um quarteirão inteiro. São prédios coloridos, com muitos animais na decoração — como estátuas de elefante e urso panda —, assentos no formato de cachorro-quente e maçã, cascata de água e piso que absorve o impacto para as crianças não se machucarem. Desde que foi inaugurado, o horário de funcionamento está em ritmo de soft opening: das 18h às 22h. Em operação desde dezembro, o empreendimento divide a opinião de moradores.
— Dá uma dinâmica para a região — afirma a estudante Thais Ferreira, de 26 anos. — Mas a educação básica aqui é precária. O transporte também é ruim para as áreas mais afastadas — pondera.
José Novaes Alvez, de 72 anos, mora próximo do parque e diz não entender o projeto:
— O dinheiro dos royalties não está sendo bem aplicado. O Sambódromo é outro exemplo. A gente nem carnaval tem mais. O saneamento básico, por exemplo, é nota zero.
Com 76 funcionários, o parque não é gratuito para maiores de 13 anos. O preço do bilhete vai de R$ 2,50 a R$ 5. A “taxa simbólica”, segundo Wainer Teixeira de Castro, presidente da Companhia de Desenvolvimento de Campos(Codemca), tem o objetivo de tornar o parque um empreendimento sustentável financeiramente até o fim do ano. Castro afirma que reage às críticas com naturalidade. Segundo ele, o parque tem “missão pedagógica", pois terá dois salões que serão usados por alunos da rede pública.
— Isso vai trazer um enriquecimento curricular. Mas as críticas fazem parte da cidadania. O projeto nasceu em 2011, quando não tinha crise de royalties. Talvez, se fosse hoje, a decisão seria outra. Quem vem aqui fica apaixonado — diz ele, lembrando que em média o parque recebe mil pessoas por dia, sendo que a capacidade do empreendimento é para dois mil visitantes.
Para especialistas, a cidade poderia ter destinado os R$ 17 milhões a investimentos em setores prioritários, como saúde e saneamento. Para Renato Cesar Siqueira, da ONG Observatório de Controle do Setor Público, o espaço é um mau exemplo de uso do dinheiro público. Ele cita outros empreendimentos, como o Sambódromo e o Palácio da Cultura, em reforma há anos:
— Foi um gasto desnecessário. A cidade tem necessidades fundamentais, como melhorar a infraestrutura, o transporte público. Os municípios foram irresponsáveis com o uso dos recursos. Ficaram escravizadas pelos royalties.
Outros projetos grandiosos sofrem com a carência de recursos e dão sinais de deterioração. Em Rio das Ostras, o famoso calçadão de porcelanato na orla das praias da Costa Azul volta a chamar a atenção dos turistas. Não pela beleza, mas pela falta de manutenção, com rachaduras e equipamentos enferrujados. A reforma, feita há mais de doze anos e alvo de polêmica entre especialistas e moradores, é, hoje, sinônimo dos tempos de crise. O prefeito Alcebíades Sabino (PSC), que também estava no cargo quando a obra foi feita, admite que os contratos de manutenção foram reduzidos.
— A orla está abandonada. É um perigo para as crianças. Os brinquedos estão cheios de ferrugem. As raízes das árvores estão quebrando o porcelanato. O material é bonito, mas poderia ter sido usado um mais em conta — diz um dos comerciantes do local, que pediu para não ser identificado.
Não muito longe dali, quem ostenta a decadência de projetos faraônicos é Macaé. O Parque da Cidade, no bairro Praia Campista, de 75 mil metros quadrados, inaugurado em 2004, está abandonado. Os rios artificiais estão secos, as rachaduras estão por toda a parte, e a vegetação cresceu de forma desordenada. Até o piso especial, que lembra o porcelanato de Rio das Ostras, passa despercebido. O prefeito da cidade Aluízio Santos (PMDB) diz que o projeto foi um erro:
— São projetos ufanistas. A cidade não tem a cultura de parque. Oferecemos essa área para a Petrobras no ano passado para eles fazerem uma retroárea para seu porto, mas não quiseram.
Outro exemplo é o Ginásio Poliesportivo na Riviera Fluminense, que foi interditado pela Defesa Civil e é alvo de crítica de moradores e especialistas. Com o chão de madeira afundado, grades enferrujadas e soltas, o espaço está abandonado. O prefeito de Macaé afirma que pretende iniciar reformas em breve. Santos destacou que o bairro sofre com alagamentos, e, para piorar, a fiação elétrica do empreendimento está no subsolo.
— Foi um investimento equivocado. É um dos símbolos do desperdício. Vemos hospitais sem materiais básicos, a farmácia popular em condições ruins de atendimento — lembrou o vereador Igor Sardinha (PRB), citando a compra de dois vagões para o sistema de VLT que nunca saiu do papel.
Enquanto o setor de petróleo e gás passa por momento nebuloso, os municípios que dependem da atividade começaram o ano apertando ainda mais os cintos: do cafezinho do prefeito aos milhares de funcionários terceirizados das prefeituras, que são grandes empregadoras das cidades. Até prédios alugados pela gestão pública estão sendo devolvidos paulatinamente aos antigos donos. Esse movimento é acompanhado do aumento da favelização.
Em Macaé, somente entre os funcionários terceirizados da prefeitura, o corte no início de ano chegou a 300 pessoas. Além disso, a prefeitura está reduzindo em 20% todos os contratos. Tudo reflexo de uma queda de 30% de arrecadação dos recursos do petróleo no ano passado.
DEMISSÃO ATÉ DE CONCURSADOS
Para o prefeito de Macaé, Aluizio Santos (PMDB), a redução do preço do barril de petróleo e das atividades da Petrobras foi “uma equação explosiva”.
— Afinal, 23% da arrecadação vêm do petróleo e têm impacto na geração de receita própria, como ISS, IPTU etc. — diz o prefeito, que ao longo de 2015 cortou salários dos funcionários públicos comissionados, reduziu o número de secretarias de 62 para 25 e abriu mão de seu salário, de cerca de R$ 12 mil.
O vereador Igor Sardinha (PRB) diz que a situação é reflexo dos maus gastos.
— É preciso um redirecionamento dos gastos. Não há por que falar em crise. Macaé é uma das cidades do Brasil que mais recebem recursos de royalties. Como não tem dinheiro? Não há política pública para melhorar a qualidade de vida e com isso toda a cidade sente — diz Sardinha, destacando gastos como as festas de fim de ano para a cidade.
Já Campos dos Goytacazes se prepara para a segunda rodada de ajustes após os cortes do ano passado, quando houve redução de 10% dos salários de profissionais comissionados, a diminuição de 39 para 13 secretarias, o corte de três mil funcionários terceirizados e a diminuição de até 30% dos contratos como limpeza, merenda, saúde e informática. Até os funcionários concursados podem perder o emprego, por um projeto de lei em tramitação na Câmara, segundo vereadores da oposição, que são contrários a proposta.
Fabio Ribeiro, secretário de Gestão de Pessoas e Contratos de Campos, diz que pretende cortar mais mil terceirizados.
Para superar a crise, Campos, que tem 53% de suas receitas oriundas do petróleo, congelou em 30% o orçamento de 2016, previsto até agora em R$ 1,7 bilhão. Já está devolvendo prédios alugados e reacomodando os funcionários públicos. Para ajudar a fechar as contas, a cidade vai rever os alvarás como forma de aumentar a arrecadação.
— As medidas contra a crise começaram em 2014. Ninguém esperava que o preço do barril de petróleo chegasse a menos de US$ 30 — diz Ribeiro.
Em Rio das Ostras, foram exonerados cem cargos comissionados na prefeitura este ano, totalizando, assim, desde 2015, 400 vagas a menos. O prefeito Alcebíades Sabino (PSC) lembra ainda que, assim como faz Macaé, está devolvendo dez prédios alugados que eram usados pela prefeitura, como a secretaria de Saúde e o prédio da Procuradoria.
— Os funcionários públicos foram proibidos de fazer hora extra e não demos aumento aos servidores. Não há outra solução a não ser cortar os gastos — disse o prefeito de Rio das Ostras, Alcebíades Sabino (PSC).
A empresária Vanessa Moraes Mouro da Silva é dona de um quiosque na praia da Costa Azul de Rio das Ostras e se queixa dos cortes de empregos e dos benefícios como o vale-alimentação. Ela teve de demitir dois dos quatro funcionários após registrar queda de até 40% nas vendas.
— Sem o vale, ninguém come na rua. A crise do petróleo atingiu muito a região e muitos profissionais estão indo embora. Quando falam que a Petrobras vai desativar uma plataforma, pronto, você vê muitos amigos perdendo emprego. E vários amigos já me pediram emprego — contou.
SECRETÁRIO ACUMULA CARGOS
Há duas semanas, Quissamã também cortou o serviço de horas extras dos funcionários públicos e o vale-alimentação de parte dos comissionados. Na sexta-feira, o expediente acaba meio-dia. Isso ocorre após os ajustes feitos em 2015, com a redução de 20% no valor de todos os contratos.
— Por mais que as ações gerem descontentamento, elas se fazem necessárias — disse o prefeito Nilton Pinto (PR), que destaca a queda de 12% de ICMS e de 40% nos royalties em 2015.
Para se ter uma ideia da crise, os secretários também estão virando uma espécie de faz-tudo. É o caso de Fabiano Barreto Gomes, que passou a a acumular as pastas de Desenvolvimento Econômico, Urbanismo, Trabalho e Renda de Quissamã. Segundo ele, 95% do orçamento da cidade vêm dos royalties do petróleo:
— Diversificar a economia é difícil. Montamos um galpão de confecção para estimular a produção de peças íntimas. Mas as empresas migraram para macacões de petróleo.
Na última quarta-feira, Helianna Barcellos terminou o dia com uma história na cabeça. Foi só ver as notícias de que a agência Moody’s rebaixou o Brasil para Dona Leninha se lembrar de “O Operário”, moeda que circulou em Quissamã, de 1933 até o fim da década de 1940, quando a cidade ainda era o quarto distrito de Macaé. Na época, a moeda oficial do país era o Réis.
Ela correu para o Facebook e lembrou em sua página, chamada de “Quissamã Memória Viva”, do Armazém Ribeiro & Filho, local que, além de comprar e vender sedas e perfumes, funcionava como uma casa bancária, único estabelecimento que fazia o câmbio da moeda exclusiva de Quissamã pelo Réis.
— A moeda só circulava aqui. Uma casa em Macaé também a aceitava. Feita de alumínio, O Operário, moeda local, era conhecida como “A Ficha”. Havia muita insatisfação na época porque o dinheiro não valia nada. Nessa época tivemos a recessão iniciada com a crise de 1929 nos Estados Unidos — contou.
Segundo ela, que mora no Centro de Quissamã e não gosta de falar de assuntos relacionados à política, a situação atual lembra, e muito, a daquela época:
— Quando vi essa agência (a Moody’s) cortando a nota do Brasil, lembrei de toda essa insatisfação que estamos vivendo. Hoje o que se vê é assistencialismo e dependência. Tem que apresentar soluções.
Para manter viva essas história, Dona Leninha decidiu criar em sua própria casa uma espécie de museu, chamado de Espaço Cultural José Carlos de Barcelos.
— Aqui recebo estudantes e pesquisadores — contou ela, que guarda cópias do Títulos Nobiliárquicos doados por Dom Pedro II, que esteve em Quissamã em 1847.— Gosto muito de arte também, por isso pinto a história de Quissamã em pratos e azulejos.
Ela também aponta buracos na rua no Centro da cidade.
— Nesse trecho, aqui, por exemplo, não tem acostamento — queixa-se Dona Leninha, há duas décadas na cidade.
O operário Paulo Rodrigues, que chegou a trabalhar por três anos em um dos principais projetos em curso na região, o Complexo Logístico Farol/Barra do Furado, compartilha da mesma insatisfação.
— Trabalhei três anos nas obras de Barra do Furado. Quando o serviço parou, fui para o Açu. É muito ruim essa crise porque não tem emprego para todos — lamentou.
Construção de creches suspensas, novos hospitais fechados e obras de saneamento e água encanada em ritmo ainda mais lento por causa da queda dos royalties. Este é o retrato da crise social nos principais municípios dependentes dos recursos do petróleo no Rio, que pouco conseguiram diversificar suas economias como forma de elevar a arrecadação. De Rio das Ostras a Campos, os problemas vêm causando preocupação entre os moradores.
Maior cidade da região, Campos, com mais de 483 mil habitantes, decretou a chamada “situação de emergência econômica”. Resultado: foi montado um gabinete de crise para cortar. Na primeira etapa, serão cancelados os contratos com empresas responsáveis por fornecer merendas escolares e alimentação de hospitais. Além disso, serão reduzidos serviços como os de limpeza urbana, lista o secretário de Controle Orçamentário e Auditoria da cidade, Suledil Bernardino. Além disso, as 164 obras do município tiveram seu ritmo reduzido.
— Toda a alimentação de escolas e hospitais será feita pela própria prefeitura. Cortamos ainda a contratação de médicos substitutos, caso haja dois médicos no plantão. O objetivo é cortar mais ainda os gastos — adianta Bernardino.
FALTAM POLÍTICAS CONJUNTAS, DIZ PESQUISADOR
Enquanto isso, a população começa a perder a esperança. Mariluci Terra, que trabalha entregando quentinhas, mora no bairro Nova Brasília, um dos mais populares de Campos. Na esquina de sua casa, sem pavimentação, ela sofre há um ano e meio com um enorme buraco com esgoto a céu aberto. A poucos metros de distância, a construção de uma creche está parada há mais de um ano.
— Entra rato na nossa casa. A prefeitura me disse que não tinha dinheiro para fazer obra.
Entre os especialistas, muitas críticas. Roberto Moraes, pesquisador do Núcleo de Estratégia e Desenvolvimento do Instituto Federal Fluminense (IFF) e da Uerj, destaca que os reflexos da falta de diversificação das economias para além do petróleo são agravados pelo fato de as cidades trabalharem de forma isolada.
— O que se fez de diversificação é pequeno frente aos investimentos do petróleo. Não há uma busca por soluções conjuntas. Além disso, em muitos casos, os gastos com infraestrutura e educação têm valores acima da média nacional. Macaé, por exemplo, está se esvaziando desde a descoberta do pré-sal, na Bacia de Santos, já que as bases de apoio da Petrobras estão indo para o Rio e Niterói. Isso afeta todo o entorno do Norte Fluminense. Assim, as cidades saíram dos tempos de fartura para a “faltura”. Ninguém se preparou para esse momento. Por isso, tantos cortes — destacou Moraes.
Em Macaé, com 206 mil habitantes, o corte dos royalties postergou muitos sonhos: as obras de saneamento básico foram reduzidas, adiando assim a meta de levar o tratamento de esgoto para 60% da população, antes prevista para 2015, para meados deste ano. A água encanada ainda não é realidade para cerca de 40 mil moradores.
Na cidade, a estratégia também é reduzir o ritmo das obras para gastar menos. Nos planos do prefeito estão a redução das obras de pavimentação e urbanização, assim como da construção de calçadas e rede pluvial. A mesma lógica se aplica aos hospitais, que terão uma central única de compras.
— O que segurou 2015 foi o aumento dos recursos próprios, já que até para desmobilizar uma plataforma há incidência de ISS (Imposto sobre Serviços). É difícil falar em diversificação. A cadeia de petróleo remunera bem. E como você vai fomentar outra atividade, como a pesca, se até esses barcos estão sendo usados como embarcações de apoio e se os filhos dos pescadores preferem trabalhar no petróleo? As reclamações da população são corretas. O dinheiro nos últimos anos foi usado de forma equivocada — disse Aluízio Santos (PMDB), prefeito de Macaé.
Renato Cesar Siqueira, da ONG Observatório de Controle do Setor Público, afirma que nenhum dos municípios soube aproveitar as benesses dos royalties. Não investiram em projetos de mobilidade urbana e não conseguiram desenvolver outras atividades industriais além do petróleo:
— É uma questão de gestão. Agora, tem que se virar e lidar com uma condição limitadora. A cidade de Campos tem uma série de possibilidades, como a cerâmica, a indústria, a agricultura e o turismo. Mas o governo não diversifica, pois prefere ações populistas e deixar todos dependentes.
A educação e a saúde também preocupam. Em 2016, foram registrados 8.893 novas matrículas escolares em Macaé, procura 200% maior que a do ano anterior, quando ficou em cerca de três mil. O aumento da demanda por educação também está no radar de Quissamã, que acabou com o horário integral do ensino básico em três escolas da cidade. Em Rio das Ostras, com 130 mil habitantes, a expectativa é que o número de matrículas ultrapasse as cinco mil do ano passado, ao mesmo tempo em que a saúde sofre com a unidade de atendimento que foi construída, mas não começou a funcionar.
As estudantes Bianca Costa e Jennyfer Kelly, de 16 anos, que moram em Rio das Ostras, lembram que este ano letivo já começou com falta de professores. A palavra royalties já faz parte do vocabulário juvenil.
— Já ouvimos falar sim sobre a crise dos royalties. A gente começou a ter aulas, no dia 15 deste mês, mas ainda faltam professores. Por isso, acabamos sendo liberadas antes do horário. Agora, estão falando que os professores vão entrar em greve — diz Jennyfer, que é aluna do segundo ano do ensino médio.
SEM BOLSA DE ESTUDOS
O prefeito de Rio das Ostras, Alcebíades Sabino (PSC), diz que os professores têm contratos de um ano que, neste momento, estão sendo renovados. Mas não esconde que a fase é difícil: foram adiadas a construção de duas novas creches. E o projeto de três novas escolas não está mais nos planos da prefeitura. Dos universitários, foi cortado o transporte que levava 900 estudantes que cursam faculdade em outros municípios, como Macaé e Niterói. Mesmo problema ocorre em Quissamã, onde a concessão de novas bolsas de estudo para universitários foi cancelada. Só estão em vigor as 279 bolsas iniciadas até 2015.
— Todas as áreas tiveram cortes. Fomos obrigados a cancelar o horário integral para parte do ensino em três escolas da cidade. Estamos buscando parcerias para fazer as manutenções nas vias. Não tem dinheiro. Novos investimentos estão parados — disse Fabiano Barreto Gomes, secretário de Desenvolvimento Econômico, Urbanismo, Trabalho e Renda de Quissamã.
Segundo o prefeito de Rio das Ostras, não há dinheiro para continuar os investimentos. Ele cita o caso de uma UPA, pronta desde novembro do ano passado, que não pode ser inaugurada. Pelas contas da prefeitura, seriam necessários 800 funcionários para que a unidade de atendimento médico, localizada no bairro popular de Âncora, com 13 mil moradores, funcionasse 24 horas.
REDE DE ESGOTO É DESAFIO
Na saúde, outros planos também estão só no papel: o hospital da cidade, que conta com 60 leitos, precisava ser ampliado para 150, o que não será mais feito. A cidade também não consegue estender a rede de esgoto, que atende apenas 20% da população.
— Rio das Ostras tem alta dependência dos royalties, de cerca de 48%. Mesmo tendo aumentado 8% a receita própria, com a nota fiscal eletrônica e a renegociação de contratos, a perda com o petróleo chega a 50%. Por mais cortes que a gente tente fazer, não chegamos nem perto. Estamos tentando diversificar a economia, investindo no turismo para aumentar a fonte de recursos. Se nós não tivéssemos feito esse investimento em turismo, hoje não estaríamos sobrevivendo — disse Sabino
Em Rio das Ostras, a fila começa às 6h. O sol mal nasceu e centenas de pessoas disputam uma senha para, quem sabe, voltar ao mercado de trabalho. É assim que moradores da cidade e das regiões vizinhas tentam um emprego, artigo de ouro em tempos de crise. E vale tudo, dizem os desempregados. Aos 27 anos, o técnico em telecomunicações Marcos Vinícios Cabral tentava uma oportunidade de serviços gerais após perder o emprego em fevereiro de 2014. Ele, que mora em Unamar, distrito de Cabo Frio, foi até Rio das Ostras atrás de uma vaga. Cabral já estava em sua segunda tentativa na cidade vizinha.
— Acordei cedo e vim aqui no Centro da Cidadania me cadastrar no Banco de Empregos. A situação está muito ruim. Desde que perdi o emprego, não consegui nada e hoje quero qualquer coisa. Minha esposa também está desempregada. Minha senha é 296. O serviço fecha às 17h, mas tenho fé que vou ser atendido — disse ele, olhando para o relógio que já marcava quase 16h.
Do outro do balcão está Maria do Carmo Teixeira, que coordena o Banco de Empregos, a responsável em dar oportunidade a quem está fora do mercado:
— Hoje, até meio dia, foram mais de 200 pessoas. Em construção civil e petróleo, não tem vaga. Vamos ver se a maré passa. Não esperava que a demanda fosse tão alta. O problema é que muita gente de Rio das Ostras trabalhava em Macaé, que está demitindo. Com isso, somos duplamente afetados. Hoje, 70% das pessoas que vêm aqui são de fora. Já recebemos até haitianos.
A realidade ganha força nos números. Só em Rio das Ostras foram 1.969 empregos formais extintos no ano passado, a maior parte nas áreas de serviços e construção civil. Com placas de “aluga-se” e “vende-se” por toda a parte, a construção civil já tem redução de cerca de 50% da arrecadação através do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), diz a prefeitura. Novos empreendimentos foram suspensos. É o caso da Facility Realty, que teve de pisar no freio e adiar projetos como a construção de um flat e de um hotel com shopping. Com a crise, ressalta Bianca Carvalho, sócia da Facility Realty, os projetos foram remodelados e a inauguração passou de 2017 para 2019:
—Paramos com a crise. Não é o momento para investimentos como sala comercial e hotelaria. Vamos esperar 2017. O fim do segundo semestre é essencial para saber o que vai acontecer. A gente ia pegar o nicho de hotelaria de eventos, que não é realidade hoje. Estamos adaptando o projeto e criando hospedagem de três estrelas com foco em business puro na Beira Rio — disse Bianca, que tem empreendimentos em Cabo Frio e Geribá, em Búzios.
No setor de serviços, o comércio e os restaurantes são os mais afetados. Somente na orla da Costa Azul, em Rio das Ostras, mais de cinco restaurantes fecharam as portas nos últimos meses, calcula Airton Cezar de Moura, gerente do Blue Coast. Ele faz um retrato dos novos tempos: da fila na porta para os dois salões com capacidade para 200 pessoas ficou apenas a lembrança. Hoje, só um salão é o suficiente para atender à demanda. Dos dez funcionários, restaram apenas seis.
— A crise da Petrobras afetou todo mundo. Aqui sobraram apenas uns doze restaurantes na orla. O movimento caiu 50% — disse Moura.
Em Macaé, o cenário é semelhante, com o fechamento de mais de oito hotéis desde meados do ano passado, além de dezenas de lojas comerciais que encerraram suas atividades. Na cidade, a expectativa é que este ano seja ainda pior que em 2015, quando 12.168 empregos formais foram extintos. Nas ruas da cidade, a crise no setor imobiliário também revela seu lado perverso com o adiamento dos lançamentos e suas 1.789 vagas formais fechadas no ano passado. Na Agência de Trabalho e Educação Profissional da cidade, o número de vagas caiu de 1.800 para 300 por mês neste ano. Segundo Amaro Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Offshore do Brasil (Sinditob), foram feitas 1.054 demissões entre janeiro e fevereiro deste ano em Macaé. Em 2015, foram 16.909 homologações.
— Hoje, empresas que tinham entre 500 e 600 funcionários na área administrativa reduziram para um ou dois. O número de sondas e plataformas em operação caiu de 57 para 13 somente entre as empresas Brasdril, Ensco, Transocean, Etesco, Schahin e Paragon. Vai ter mais demissão. A cidade não se diversificou e não investiu em turismo, pesca e agricultura. Agora sofre com os efeitos da Lava-Jato — afirmou Alves.
Em Campos, os reflexos da crise se estendem por toda cidade. No Centro, a Rua João Pessoa coleciona uma série de lojas fechadas. Entre os diversos bairros da cidade, como na região da Pelinca, que concentra cerca de 100 edifícios, há construções imobiliárias canceladas e obras inacabadas. E o resultado disso se faz perceber entre os moradores: das 5.027 vagas formais extintas no ano passado, a construção civil somou 28% (1.440) do total, mais que a indústria de transformação, com 27,8% (1.399). Como reflexo, a arrecadação de tributos municipais como ITBI e ISS caiu 20% no ano passado.
Na área industrial, também foram registrados grandes cortes. A Schulz, fabricante de tubos e conexões de aço para empresas que prestam serviço para a Petrobras, que estava localizada no distrito industrial de Campos, encerrou suas atividades no fim do ano passado, demitindo 300 pessoas. Procurada, a companhia não quis falar. João Paulo da Costa Cunha, presidente do Sindicato de Metalúrgicos de Campos, Quissamã e São João da Barra, lembra que de março do ano passado a fevereiro deste ano já foram 1.800 homologações:
— Perdemos 40% de nossa base. Muitas empresas estão envolvidas na Operação Lava-jato.
Luiz Claudio Soares e Eliseu Monteiro foram apenas dois das centenas de trabalhadores que perderam o emprego na Schulz. Eles lembram que os cortes começaram no início de 2015 até o fechamento total da unidade em outubro. E ambos colecionam histórias tristes. Soares tentou ser sócio de uma empresa de venda de galão de água, mas levou o cano do parceiro. Monteiro virou vendedor de cosméticos, mas não tem tido sucesso.
— Está tudo parado. Não tem emprego em lugar nenhum. A gente procura se reinventar, mas está difícil — queixa-se Soares.
Quissamã, uma cidade com apenas 22.700 habitantes, viu fechar no ano passado 53 estabelecimentos comerciais. A promessa de criar quatro mil empregos está no papel. Desde meados de 2014, as obras de um dos principais projetos da região, o Complexo Logístico Farol/Barra do Furado, pararam. E até hoje o pouco que foi feito vai sendo corroído pela maresia. Orçado em cerca de meio bilhão de reais, o complexo, que sofreu mudanças de projeto ao longo dos últimos anos, está hoje no meio de vários impasses. As prefeituras de Quissamã e Campos não estão investindo mais recursos desde que o governo do Estado do Rio e a União decidiram suspender o financiamento. Com isso, as licenças ambientais não foram renovadas, o que pode atrasar ainda mais o projeto, que hoje já não tem data para terminar.
Além disso, há outro problema, segundo as prefeituras: o consórcio responsável pelas obras é formado por empresas envolvidas na Operação Lava-Jato, como Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão.
— Esse empreendimento iria elevar a arrecadação de ISS em Quissamã. O sonho é interromper esse contrato com o consórcio atual e refazer a licitação — disse uma fonte ligada à prefeitura.
Enquanto o imbróglio não se resolve, a população sofre com o desemprego.
O Globo
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