segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Arte no guardanapo

RIO - Certa noite de outubro de 2012, Café Lamas, no Flamengo. Com uma caneta na mão, várias ideias na cabeça e sem o seu tradicional companheiro, um caderno, o publicitário Pedro Gabriel resolveu “desabafar” com o primeiro papel que viu pela frente: um guardanapo.


— Estava voltando do trabalho para casa, parei para tomar um chope. Anotei umas cinco ou seis ideias, fotografei com o celular e guardei. Como fui gostando do ritual, nem usei mais o caderno — lembra ele, que passou a ir mais vezes ao bar.

As ideias eram, na verdade, versos. Já que Pedro tinha inclinação para o desenho, as frases ganharam formatos bem peculiares e ilustrações.

— A primeira nasceu de uma falha. A tinta da caneta tinha borrado o papel, e resolvi fazer um desenho em cima. Como gostei do resultado, passei a preencher o vazio com desenhos, para tentar equilibrar o guardanapo — conta ele, aos 31 anos.

Um mês após começar a criar, Pedro tinha 40 guardanapos. Com medo de que eles amarelassem ou rasgassem, fez uma página na internet para publicá-los: “Eu me chamo Antônio”.

— Meu nome é Pedro Antônio Gabriel Anhorn, mas não me chamavam de Antônio. Acho que foi uma forma de dar vida a esse nome, que estava meio sumido na minha identidade, e, ao mesmo tempo, evitar que me reconhecessem diretamente — explica ele. — Em pouco tempo, vi que muitas pessoas estavam acessando e compartilhando as imagens. Fiquei impressionado e isso me motivou a continuar.







Muitas das criações são inspiradas em sua infância no Chade, país no centro-norte da África, onde nasceu. Filho de um diplomata suíço com uma brasileira, aos 6 anos Pedro se mudou com a família para Cabo Verde. Aos 12, os pais se separaram e ele veio de vez para o Rio com a mãe e uma irmã.

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— Quando eu releio os guardanapos (hoje são mais de 2 mil), percebo que muita coisa remete à minha infância, que vivi brincando na rua com amigos. Tanto que guardo todos em álbuns de fotografia, acho que isso é simbólico — observa o publicitário, que aprendeu a se expressar em português “de verdade” na adolescência. — O primeiro livro que consegui ler sozinho em português foi “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, aos 13 anos.

A página, que começou no microblog Tumblr e evoluiu para o Facebook, hoje tem mais de 940 mil curtidas. Foi lá que uma editora da Intrínseca viu o trabalho e decidiu transformá-lo em livro.

— A página estava há só seis meses no ar, e eu nem pensava que arte feita em um guardanapo, essa coisa descartável que a gente costuma jogar no lixo, pudesse virar um livro. Assinei contrato no mesmo dia em que fui demitido por corte de gastos — comenta ele, que, na época, trabalhava como redator no site Peixe Urbano.

Sabendo que era “muito difícil viver de literatura no Brasil” e que era “um autor totalmente desconhecido, oriundo da internet”, imaginou que teria várias barreiras a enfrentar:

— Peguei o dinheiro da minha rescisão contratual e decidi que, até o lançamento do livro, eu me dedicaria exclusivamente à página, pelo menos quatro horas por dia.


Outra arte feita por Pedro - Fernando Lemos / Agência O Globo
Pedro passou então a criar guardanapos diariamente: sempre no Lamas, que ele considera seu “escritório”.
— Acho que me adaptei ao formato dos guardanapos de lá (9cm X 13cm). Quando estou viajando ou em casa, longe de onde os guardanapos “nasceram”, não crio porque não sinto muita verdade — conta ele, que acaba de se mudar para São Paulo, onde vive a namorada.

CONEXÃO RIO-SÃO PAULO

Por conta da mudança, o publicitário terá que recorrer à ponte aérea para continuar a criar:

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— Sorte que o Rio é pertinho, e minha família é daqui, eu posso vir sempre. Não me sentiria bem criando em guardanapos de outro bar, não seria sincero. Um garçom do Lamas até se ofereceu para me mandar pelos Correios um pacote de guardanapos todo mês, mas eu gosto de criar lá. Não faço para ganhar “curtidas” ou compartilhamentos, mas porque acredito naquele verso e naquele desenho, e que aquilo pode significar alguma coisa para outras pessoas.

E, a julgar pela quantidade de fãs que vai aos lançamentos de seus livros pelo Brasil, as mensagens de Pedro têm cativado muita gente:

— Pessoas me falam que passaram a ler poesia ou voltaram a escrever por causa do “Eu me chamo Antônio”. É possível uma ideia simples tocar o outro. Jovens contam que conheceram Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade. Meu trabalho ser uma porta de entrada para grandes poetas me deixa muito feliz.


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