domingo, 26 de julho de 2020

Artigo de Opinião - Genocídio anunciado


O maior esforço genocida que se  vê no mundo, atualmente, está acontecendo no Brasil, bem na nossa cara. É algo intencional, calculado e perverso. Tenta-se de forma inescrupulosa intensificar entre os povos indígenas os efeitos de uma pandemia que atinge toda a população. E isso acontece com o impulso do governo de Jair Bolsonaro e como parte de um projeto silencioso de extermínio. Povos inteiros estão sob ameaça de serem dizimados pela Covid-19 porque nada se faz para preservá-los. Ao contrário, aproveita-se de sua vulnerabilidade para deixá-los mais expostos ao coronavírus. Em vez de poupar os indígenas da contaminação, as forças do Estado tratam de testar sua capacidade de resistência e de deixá-los mais expostos. Com disse o cacique dos Caiapós, Raoni Metuktire, internado com desidratação , “Bolsonaro quer aproveitar e está falando que o índio tem que morrer, que os índios têm que acabar”.
Matam-se indígenas com transmissão intencional de doenças contagiosas no Brasil desde tempos imemoriais. Assim que os europeus perceberam que a gripe e a sífilis afetavam mais os povos autóctones do que eles próprios, passaram a utilizá-las como ferramenta de guerra biológica. No século 19, há pelo menos três relatos consistentes desse tipo de prática cruel. Um deles, feito pelo antropólogo Darcy Ribeiro no livro “Os índios e a civilização”, refere-se ao povo Timbira, no sul do Maranhão. Para se livrar dos indígenas, os pecuaristas locais os “presenteavam” com roupas infectadas com bexiga (varíola) de moradores da Vila de Caxias. Ainda no começo do século 20, há relatos de matanças orquestradas no Oeste Paulista com o uso de roupas contaminadas. Durante o governo militar, aconteceram casos semelhantes. A doença era a arma mais frequente usada pelos invasores para dizimar as populações locais.
Agora a história se repete. E recebe o nome de “ação social”. Mulheres de militares de Roraima visitaram, no final de junho, o território Yanomami para maquiar e fazer as unhas de mulheres indígenas, doar roupas para gente que normalmente vive seminua e fazer distribuição de doces para as crianças e incentivá-las a se aglomerar num pula-pula. No mesmo território, militares montaram uma operação, no início do mês, para distribuição de máscaras, álcool gel e milhares de comprimidos da inútil cloroquina. Há também uma impensável liberdade de circulação, estimulada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), de missionários em tribos isoladas. Mudou o estilo, mas o espírito destruidor é o mesmo. O que se busca, na prática, com todas essas iniciativas, é levar o vírus para mais perto dos indígenas. Com o velho argumento de dar assistência, o governo brasileiro trata de levar adiante uma política genocida.

Vicente Vilardaga - Revista IstoÉ 








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