Um “mau exemplo” para o país até dias atrás, o falido estado do Rio de Janeiro se transformou em inspiração para tantos estados saqueados por governantes, em maior ou menor grau. Duas prisões, dos últimos dois governadores do Rio, com a revelação de detalhes sórdidos de roubos estratosféricos para enriquecimento pessoal, nos dão a esperança de um futuro mais ético na política.
“Quando o Sérgio Cabral for preso, eu vou visitá-lo na cadeia. E vou levar um bombom Garoto.” Essa era a gozação favorita do ex-governador Garotinho com seu desafeto Cabral. Não imaginava que ambos acabariam no mesmo presídio, Bangu 8. Felizmente em celas separadas, a julgar pelo destempero de Garotinho, que, mesmo na maca da ambulância, ameaçava bater e arrebentar aos berros. Se quiserem bombons, champanhes e regalias, Cabral e Garotinho terão de subornar guardas – o que não seria nada, diante da ficha pregressa dos dois políticos.
A prisão de Cabral é, sem dúvida, mais importante. Por tudo. Garotinho sempre foi uma figura mais folclórica e muito mais regional: ele é nascido em Campos dos Goytacazes e acusado de envolvimento com milícias. Agora, sonhava alto com a eleição de Marcelo Crivella para a prefeitura do Rio, de quem é conselheiro pessoal. Os dois são evangélicos. Foi com base no voto religioso que Garotinho conseguiu ser, em 2002, o terceiro colocado na eleição à Presidência da República. Sua mulher, Rosinha, é prefeita de Campos apesar de ter sido cassada pelo TRE no mês passado, sua filha Clarissa é deputada federal e ele é um dos caciques do PR, partido do vice de Crivella, Fernando MacDowell.
Com o carioca Sérgio Cabral, o buraco é muito mais em cima. Cresceu na política e se tornou senador como defensor dos direitos do idoso. Eleito governador do Rio em 2007, chegou a ser cotado pelo PMDB para presidente do Brasil. Várias de suas políticas são dignas de elogio. Criou as UPAs, Unidades de Pronto Atendimento. Criou as UPPs nas favelas, as Bibliotecas-Parque. Reduziu roubos e homicídios. Colocou as finanças do estado em dia com a ajuda do petróleo, criou o Rio sem Homofobia. Instalou computadores nas escolas. Era em 2009 um dos 100 brasileiros mais influentes. E talvez o governador mais amigo de Lula. Têm temperamentos parecidos. Cabral imita Lula com perfeição.
Por tudo isso, sua queda final foi lenta. A desgraça começou quando ficou clara sua promiscuidade com empreiteiros, em especial com Fernando Cavendish, da Delta – o mesmo que deu um anel de R$ 800 mil para a advogada Adriana Ancelmo, mulher de Cabral. O ex-governador sumiu, mesmo morando na quadra da praia do Leblon. Renunciou e elegeu seu poste e sucessor, Pezão. Agora, as delações premiadas desnudaram um esquema de propinas capaz de ruborizar o mafioso mais insensível.
Cabral teria roubado dos cofres públicos R$ 224 milhões, em cobrança de propinas negociadas até no Palácio Guanabara, em troca de contratos de obras e isenções fiscais. Duvido que o valor seja apenas esse. Cabral recebia mesadas de até R$ 500 mil. Usava para viajar e comprar, em dinheiro vivo, obras de arte, carros, lanchas, joias e vestidos de festa. Além de levar uma grana da reforma do Maracanã e da obra do Arco Metropolitano, Cabral meteu a mão no PAC das favelas, levou dinheiro do teleférico do Alemão e enriqueceu um bando de assessores e amigos. Tudo segundo as delações.
É muito vergonhoso, num Rio hoje sem verba para pagar salários ou manter seus compromissos na saúde e na educação. O escândalo respinga no PMDB nacional e encharca de suspeitas o governador Pezão, que foi secretário de Obras de Cabral. Assessores presos de Cabral são íntimos do atual governador. Se Pezão fosse japonês, já teria apresentado sua renúncia, até ser investigado e inocentado. Mas Pezão nasceu no município de Piraí. Que moral ele tem hoje para tungar o salário dos servidores mais pobres?
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