Testemunhar o inesperado revés de poderosos parece ser uma de nossas mais unânimes satisfações. Há três mil anos, desde que um jovem pastor derrubou um guerreiro em um campo de batalha, o confronto entre Davi e Golias simboliza a possibilidade de derrota do mais forte. A história bíblica inspira a esperança de ser possível vencer gigantes.
Uma notícia recente provocou sensação semelhante. A multinacional de tabaco Philip Morris, a maior fabricante de cigarros do mundo, terá que pagar US$ 7 milhões ao Uruguai, como resultado do processo que a empresa abriu contra a política de controle do tabaco desenvolvida pelo país. Em 2010, a multinacional, com matriz na Suíça, processou o Uruguai alegando descumprimento de um Tratado Bilateral de Investimento com o país onde tem sede.
Após conhecer a sentença favorável, o presidente uruguaio, o oncologista Tabaré Vázquez, justificou a vitória incomum: “Expusemos na arbitragem que não é admissível priorizar os aspectos comerciais acima da defesa de direitos fundamentais, como são a vida e a saúde”. Segundo dados do Centro de Investigación de la Epidemia de Tabaquismo, graças às medidas adotadas nos últimos anos, a prevalência do fumo entre jovens foi reduzida de 13% para 10,5%, o número anual de infartos do miocárdio foi reduzido em 450 casos e, na última década, as vendas de cigarros caíram em 30%. Segundo estudo da Fundación Bloomberg e do Ministério de Saúde do país, triplicou o número de mulheres grávidas que abandonaram o vício. A Philip Morris considerou esses dados como um ataque intolerável aos interesses de seus investidores.
Mas por que tentar medidas punitivas contra um mercado tão limitado e pouco lucrativo? Parece ter sido uma decisão estratégica para intimidar outros países, sobretudo aqueles em desenvolvimento, de modo a inibir políticas similares. Em Uganda, Namíbia e Togo, as leis de controle do tabaco foram rechaçadas pelos grandes fabricantes de cigarros, que igualmente alegaram a violação de seus direitos comerciais. Em comunicado conjunto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) reconheceram que a vitória uruguaia e a criação de uma jurisprudência internacional compõem “um modelo na luta contra a epidemia de tabaco”.
No espaço de tempo em que se fuma um cigarro, morrem cerca de 50 pessoas no mundo por complicações desse vício. Segundo a OMS, são cerca de 5,6 milhões de vítimas fatais por ano. No Brasil, comemoramos há pouco 25 anos de uma lei antitabaco que se tornou referência e incentivo a outros países. Como resultado, segundo o IBGE, o número de fumantes no país caiu de 35%, em 1989, para 15% em 2013.
Isso nos mostra que, contra todas as adversidades e a despeito das aparências, devemos rever nossas crenças sobre favoritismos e combater o bom combate na defesa de direitos fundamentais. Vencer gigantes é um raro prazer.
Chico D’Angelo é deputado federal (PT-RJ)
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