Sempre que uma epidemia ameaça se alastrar pelo mundo, o médico canadense Bruce Aylward é chamado. Foi assim com a poliomielite, sua área de atuação desde os anos 1990, com o ebola, em 2014, e agora com o zika. Diretor executivo do departamento de emergências em saúde pública da Organização Mundial da Saúde (OMS), nas últimas semanas Aylward busca, em pesquisas e reuniões com autoridades de mais de 20 países, evidências que relacionem o vírus zika à microcefalia detectada em mais de 400 bebês no Brasil. Nesta entrevista a ÉPOCA, o médico procura conter o alarmismo, ao mostrar que o zika nada tem a ver com a alta letalidade do implacável ebola. “A maioria das pessoas infectadas pelo zika nem sequer sabe que tem o vírus”, diz. Aylward afirma que, apesar da preocupação, o zika não é uma ameaça aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
ÉPOCA – O que significa o alerta de emergência da Organização Mundial da Saúde?
Bruce Aylward – Ao declarar o alerta de emergência de saúde pública, a intenção da OMS é formular uma resposta internacional coordenada ao problema da microcefalia e do vírus zika no mundo.
ÉPOCA – Qual é o impacto prático desse alerta na vida das pessoas, sobretudo das que vivem nas áreas com maior foco de mosquitos?
Aylward – Nossa atuação se dá em três pilares que têm relação direta com a população dos países afetados. O primeiro é ajudar no aumento do controle de propagação do mosquito nas áreas com maior foco. Basicamente, isso significa ajudar a encontrar os focos de água parada e retirá-los. O segundo é trabalhar diretamente na proteção dos indivíduos, aumentando a informação disponível sobre o vírus e as formas de evitá-lo. O terceiro pilar é tentar entender o que está acontecendo e desenvolver novas ferramentas para combater o vírus, como uma vacina, por exemplo. É importante dizer que é um trabalho que não faremos sozinhos. Tudo será feito por meio dos governos dos países, pois a OMS é uma organização de Estados-membros.
ÉPOCA – O zika pode ser considerado uma ameaça global como o ebola?
Aylward – De forma alguma. O ebola é uma doença conhecida há centenas de anos e cujos sintomas e efeitos são muito mais graves que os do zika. O ebola está associado a um altíssimo índice de mortalidade, entre 80% e 90%. Ou seja, a grande maioria das pessoas expostas à doença morre. O zika é diferente, é transmitido por mosquitos, o que é um limitador para a epidemia, enquanto o ebola pode ser transmitido por fluidos e infecções. Além disso, cerca de 80% das pessoas infectadas por zika nem sequer sabem que estão doentes, porque o vírus é, em grande parte, assintomático. A questão do zika é sua possível associação com a microcefalia, verificada no Brasil. É por isso que declaramos o alerta de emergência: pela microcefalia, não o vírus em si. O comitê da OMS foi muito claro: se fosse apenas pelo zika, não haveria alerta.
ÉPOCA – O Estado do Texas, nos Estados Unidos, declarou um caso de transmissão sexual do zika. Isso significa que a escala de propagação da doença pode ser maior?
Aylward – As informações que recebemos até agora do Texas não representam impacto significativo em nossa análise sobre a propagação do zika. Precisamos analisar os dados para podermos avaliar se será necessária uma mudança de recomendação por parte da Organização. Seria prematuro fazermos qualquer previsão em relação à transmissão sexual, pois ainda não foi comprovado nenhum caso.
ÉPOCA – A OMS vislumbra um cenário de pandemia?
Aylward – É uma possibilidade muito pouco provável. Repito que as condições favoráveis à reprodução do mosquito vetor são encontradas em regiões específicas, de clima úmido e quente. A dispersão do vírus para países onde o mosquito vetor não sobrevive se dá em condições muito específicas, como o caso de turistas que viajaram para a América Latina e foram infectados. Como ainda não temos nenhuma evidência de que a transmissão se dê de outra forma que não o contato com o mosquito, o cenário de uma epidemia mundial não é levado em consideração no momento. Há um cenário de preocupação com o zika, não de alarmismo.
ÉPOCA – A OMS afirma que não há certeza de que a microcefalia esteja relacionada ao zika. Há alguma outra suspeita da razão da má-formação em tantos recém-nascidos em um período tão curto?
Aylward – Quando uma situação como essa acontece, olhamos primeiro as doenças infecciosas, pois há diversos casos de doenças infecciosas que causam má-formação congênita em bebês. Pois bem, olhamos todas elas, e não conseguimos achá-las nos bebês com microcefalia ou em suas mães. Outra hipótese é a de contato com produtos químicos ou medicamentos durante a gestação. No passado, houve casos de gestantes que usaram medicação contra enjoo na gravidez, e mais tarde provou-se que as substâncias aumentavam a probabilidade de má-formação dos bebês. No caso das crianças analisadas com microcefalia, não há sinal de efeito desse tipo de medicamento. Mas em todas elas nós achamos o zika. Há locais em que achamos o zika, mas não ainda a microcefalia. Não sabemos a razão até o momento. Pode ser que a doença apareça dentro de seis a nove meses nos bebês e consigamos ter provas mais concretas dessa relação. Ou talvez constatemos que a microcefalia é causada por um conjunto de fatores que envolve o zika, mas não apenas ele. Não sabemos. Mas estamos trabalhando para saber – e o Brasil é o centro desse trabalho.
ÉPOCA – Como o vírus chegou ao Brasil?
Aylward – O histórico do zika remonta aos anos 1940, em Uganda. No Brasil, o primeiro foi visto em maio do ano passado. Como o mosquito tem vida curta e dificilmente consegue viver a ponto de voar a uma distância maior de 100 metros, a hipótese que acreditamos ser a mais correta é que o vírus tenha sido trazido por pessoas infectadas, e que o mosquito tenha se encarregado da propagação.
ÉPOCA – O senhor considera o zika um vírus ligado à pobreza e à falta de saneamento?
Aylward – Assim como no caso da dengue e da chikungunya, qualquer pessoa está suscetível ao vírus em locais de clima úmido e tropical, propícios à reprodução do mosquito vetor. O zika não distingue a classe social de um indivíduo. A questão é que as populações mais carentes têm menos acesso a informação, sobre como detectar focos de propagação do mosquito e como se proteger dele. Por isso se tornam mais vulneráveis. Mas o próprio caso da dengue, que existe há décadas no Brasil, é um exemplo de que a reprodução do mosquito não se dá apenas em áreas de extrema pobreza e, sobretudo, não afeta somente os mais pobres.
ÉPOCA – O Brasil está tomando as medidas certas para combater o mosquito e detectar novos focos?
Aylward – O Brasil respondeu de forma muito rápida à propagação do vírus e ao diagnóstico de microcefalia. O governo federal e as autoridades estaduais têm se mostrado comprometidos com as medidas de prevenção e têm colaborado com a OMS. Estamos acompanhando o trabalho do Brasil na tentativa de informar a população sobre as formas de prevenção e de aparelhar hospitais para detectar a presença do zika. Trata-se de uma situação de extrema gravidade e que requer ação rápida, e, na avaliação da OMS, o Brasil tem agido de forma exemplar.
ÉPOCA – A OMS fará alguma recomendação específica aos atletas e ao público que assistirão aos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro?
Aylward – É importante que as pessoas saibam que não há, até agora, nenhum indício de que o zika possa prejudicar os atletas se os devidos cuidados com a prevenção ao mosquito forem tomados. Não se deve exagerar no alarmismo. O que é importante ressaltar é que o zika não representa um risco aos Jogos. Os cuidados com o zika para os atletas são os mesmos que com a dengue e a chikungunya. O único alerta que está sendo endossado pela OMS é que mulheres grávidas ou que planejam engravidar tomem um cuidado maior com o mosquito ao viajar para países com focos da doença. Mas isso não deve, de forma alguma, alterar a dinâmica dos Jogos.
ÉPOCA – Qual é o limite de casos da doença para que a OMS não recomende a viagem ao Rio de Janeiro?
Aylward – Não há um número específico que dispare um gatilho. O que podemos dizer é que o número atual de casos não é suficiente para representar uma ameaça aos Jogos. Ao tomarem as precauções contra dengue, chikungunya e zika, turistas e atletas podem aproveitar os Jogos tranquilamente. Não há nenhuma recomendação da OMS para não viajar para países com casos de zika. As pessoas devem se proteger, mas não há informações suficientes, hoje, para um alerta de restrição.
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