Os homens se distanciam dos mistérios e, por isso, não compreendem
24/09/2017
O DIA
Rio - Que mistérios guarda a primavera? Nenhum dirão os mais céticos. Nenhum? Ah, como seria bom se as flores mimosas pudessem falar. Ou se os grandes jacarandás fizessem o mesmo. Ou, talvez, os ipês amarelos que trazem sol a tantas névoas. Os homens se distanciam dos mistérios e, por isso, não compreendem.
O inverno pode ser rigoroso. O frio cobra o seu preço, principalmente quando estamos desprevenidos, quando nos esquecemos de que ele é efêmero. O tempo do inverno é sempre passageiro, mas nós, passageiros da vida, teimamos em teimar. Em nos desesperar. Em querer resolver antes o que antes não se resolve, Há momentos em que o melhor a fazer é esperar. Ou isso, ou nos arrependeremos de nossas pressas. O inverno nos convida a um pouco mais de reclusão. De trancafiamento. De espera.
As ansiedades nos levam ao erro. O que perdeu o amor, quando busca um outro amor, desesperadamente, se esquece de que o amor é esperança e que a esperança compreende as mudanças de estação. O que se perdeu em ilusões, o que sofre mesmo sem saber de onde vem o sofrimento, o que se sente insatisfeito pelos rumos que tomou, o que está infeliz; todos eles, ou eles todos em um só, se aguardarem, verão a primavera.
Os frios da alma nos congelam de tal ordem que é comum estarmos em casa com saudades de casa, é comum estarmos com alguém, com alguém que nos falta. Não, não é o outro o culpado da minha dor. Projeções não me levam a lugar algum. Se o outro ocupa um altar no sagrado dos meus intentos, quem permitiu fui eu. Dirão os mais sofridos que não é bem assim, que não se decide por uma paixão, que ela é flecha, que chega cortante sem pedir licença. E que, teimosa, não parte. Direi que, mesmo partido, um dia ela parte. Parte como parte o inverno. No seu tempo. Sem que possamos fazer com que se apresse. O que não podemos é dificultar a visão de uma primavera que já veio. De olhos fechados não se enxergam as flores nem os ramos novos que brotam em árvores que pareciam mortas.
Esperar que os sentimentos se acomodem evita muitas avalanches. Decidir antes o que antes não deve ser decidido é prova de impaciência. O que sabemos nós dos que sentimos? Como ter certeza? Por que, então, sairmos no sereno do inverno? O frio pode ser congelante. E, depois, teremos mais trabalho. E a doença da desesperança pode nos tomar de tal maneira que, mesmo na primavera, tenhamos dificuldade de perceber que já passou.
Fernando Pessoa poetizava dizendo "quando vier a primavera, se eu já estiver morto, as flores florirão da mesma maneira. E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada...". Se eu estiver morto para o amor, as flores passarão desapercebidas. Desperdício.
Por isso, vale um pouco de confiança e de conhecimento. Confiança em nosso poder de regeneração e conhecimento de que outras dores já se foram e nós permanecemos.
E assim que se vive a vida. Morrendo e renascendo. A cada instante. Mais curto ou mais demoradamente. Os instantes também têm tempos diversos. Mas, quando chega a primavera, eles respeitam. Sabem que nem tudo é explicável. Há mistérios por aí capazes de nos surpreender.
Bem-vinda, primavera.
Gabriel Chalita é professor e escritor
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