22 de agosto de 2017Redação JC
Dissertação do IEB estuda maior atenção dada às obras do autor em períodos de instabilidade
Por Giovanna Querido
Baseando-se no livro Os significados e sentidos da obra de Lima Barreto (Carlos Eduardo Coutinho, 1970), o pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) Alexandre Rosa retoma a tese de que a obra do autor carioca desponta em momentos de profunda crise. Ele o faz em seu recente trabalho de mestrado, denominado O conto em Lima Barreto: oscilação editorial e hibridismo estético. Esse interesse é também amplamente acompanhado pelo mercado editorial.
Durante os primeiros anos do governo Lula, quando o país passou por certa estabilidade econômica, o interesse do mercado editorial voltou-se a uma literatura mais ligada ao consumo – diferentemente do que se observa em momento de desequilíbrio, seja por motivos filosóficos, políticos, institucionais ou morais. Nos anos 60 e 70, as obras de Lima foram muito requisitadas diante do cenário de ditadura e redemocratização; depois, novamente, em 2010, com a incerteza de Dilma no governo; e, agora, de novo com a atual crise.
Assim, na 15ª Festa Literária de Paraty (Flip) foi impossível dissociar literatura de política. A homenagem a Lima permitiu encampar debates acerca de racismo, feminismo, corrupção. “Um novo país pode ser pensado a partir de Lima Barreto”, disse a curadora Joselia Aguiar, preocupada com a diversidade no festival.
Irmãos de outra época
O dia 1 de novembro marca a morte de Lima Barreto (1902) e o nascimento de Lázaro Ramos (1970). Ambos foram meninos tímidos, acanhados e escritores. Depois, homens negros que, mesmo vivendo em séculos diferentes, sofreram e sofrem com o racismo.
Lima começou a vivenciar o preconceito racial quando foi estudar em colégios burgueses, onde era o único negro. Em seu diário pessoal, relata situações em que recebia notas menores de um professor ou era tratado de forma diferente em espaços da alta sociedade – evidenciando o racismo a que era constantemente submetido.
“É triste não ser branco no Brasil”. Lima escreve em seu diário.
O autor, então, passa a abordar a problemática em sua produção jornalística, questionando as teorias evolucionistas da época. Sendo sua mãe negra e empregada doméstica, o autor estava ciente do resquício da escravidão representado por tal ofício – assim como se faz Lázaro Ramos em Na Minha Pele, também denunciando uma falsa democracia social no país. Além disso, Lima é também o primeiro escritor a colocar personagens negros em primeiro plano, como faz em Recordações do Escrivão Isaías Caminha.
Assim, como o Indianismo de Alencar, o literato queria implementar o Negrismo como filosofia oficial. Seu objetivo era escrever um livro fundador dessa corrente estética, feito que não conseguiu ao longo da carreira. Embora o escritor fosse notório em sua cena, ele ainda tinha certa mágoa por não ter o reconhecimento das instituições literárias, a exemplo da Academia Brasileira de Letras. Nesse caso, o pesquisador Alexandre afirma que Lázaro foi mais longe, ocupando espaços e papéis de protagonismo tradicionalmente renegados à população negra.
Movimento negro
“Por sofrer o racismo na pele, Lima foi um dos grandes pioneiros para chamar atenção ao fato de que a África contribuiu para o Brasil e não o degenerou”, afirma Alexandre. Em suas produções, o autor começou a retratar de forma positiva a população negra brasileira. Assim, tornou-se um símbolo ao movimento negro e também à luta de outras minorias.
Nesse sentido, o pesquisador do IEB destaca um crescimento do movimento negro nos últimos anos. Isso é evidenciado pelos espaços de destaque que este passou a ocupar, como a mídia tradicional. “É preciso ocupar sim. Lima queria ocupar a Academia Brasileira de Letras”, reforça.
O escritor carioca é um referencial muito forte para que as vozes desses movimentos possam afirmar seu lugar de fala e de construção de identidade. Alexandre reitera, por isso, a importância do rap nos saraus e nos slam, que continua como principal propulsor para o surgimento de novos poetas.
Valor literário
Como a procura da obra de Lima aumenta em tempos crise, o pesquisador afirma que a leitura de sua produção ficaria muitas vezes limitada ao aspecto militante. No entanto, ele afirma que a obra do escritor marcou uma revolução literária nas formas de se perceber uma realidade que estava se formando no século passado, durante a primeira República.
Enquanto, no Brasil, tentava-se incorporar o modo de vida europeu a partir de teorias como o Darwinismo Social e o Positivismo, Lima se posicionava contra isso em suas produções jornalísticas e em seus livros.
“Literariamente ele não é só isso, ele não é só um panfletário”, diz. Ao unir crítica social e reformulação da linguagem, Lima Barreto é considerado um dos grandes arautos do Modernismo Brasileiro.
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