quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Artigo de Opinião - Quem são os neonazistas no Brasil ?

Número de pessoas interessadas no neonazismo cresce mais que a população brasileira, afirma antropóloga

Por Lu Sudré
Caros Amigos


"Devemos assegurar a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas". As 14 palavras de David Lane, influente líder do neonazismo, ecoaram no mundo todo após serem ditas por supremacistas brancos em Charlottesville, cidade do Estado norte-americano de Virgínia, no dia 12 de agosto. As tochas de fogo que marcaram a história da Ku Klux Klan estavam nas ruas como há muito tempo não se via. Tais palavras podem estar mais próximas do que se imagina.

Segundo a antropóloga Adriana Dias, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que mapeia a atuação dos principais grupos neonazistas do País na internet desde 2002, existem mais de quatro mil sites neonazistas em domínio brasileiro.

"Aqui no Brasil temos o que eles chamam de 'células' ou 'braços' de grupos neonazistas americanos, mas também de grupos do Leste Europeu, da Ucrânia e da Rússia. Eles são heterogêneos, alguns são mais violentos e ciberativistas, enquanto outros não", afirma Dias em entrevista à Caros Amigos. "Os sites neonazistas tem uma característica muito específica, que é a profundidade. Quanto mais se caminha dentro dos sites, cheios de hiperlinks e diretórios, mais violentos eles ficam".

Os grupos neonazistas Combate 88, White Power São Paulo, White Power Sul, War (White Arian Resistance), Front 88,  Kombat Rac, Impacto Hooligan e Azov, lideram a lista dos mais extremistas e atuam principalmente na região sul e sudeste do País, com crescimento recente na região centro-oeste. Além da negação do Holocausto, o ódio aos nordestinos e a homofobia estão entre as principais bandeiras destes grupos.

"Existem pessoas que já foram levadas para treinamentos no Leste Europeu, na Ucrânia e na Rússia. Estes são grupos bastante ideológicos. Alguns fazem a iniciação com violência, ou seja, agridem um nordestino, um gay, um judeu ou um negro pra entrar no grupo. Por vezes, a iniciação é sair em bando pra matar. A violência é absurda, o racismo é visceral", destaca a pesquisadora.

Indignada com a apologia criminosa das informações que encontrava nos sites em meados dos anos 2000, Dias fez uma denúncia junto ao Ministério Público e, por conta de ações judiciais movidas por ela e outros militantes, três sites brasileiros foram retirados do ar desde 2004: White Power SP, Loja ZyklonB e Valhalla88.

Onde eles estão?

Os grupos neonazistas se articulam em fóruns de debates online e na rede social VK, de origem russa, equivalente ao Facebook. Graças ao seu conhecimento como programadora, Adriana conseguiu vasculhar fóruns de compartilhamento de conteúdo por palavras chaves e constatou que aproximadamente 250 mil pessoas baixaram materiais neonazistas no Brasil. 

Para que um Internet Protocol (IP) entre na estatística da pesquisadora, é necessário que tenha feito o download de no mínimo 1GB de documentos. Com base no monitoramento dos últimos anos, o número de pessoas que fazem esses downloads cresce 8% ao ano,  porcentagem maior do que o crescimento da população brasileira que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), é de 0,8%.

"De 10 a 20% dessas pessoas participam efetivamente de células ou de bandas de grupos anticomunistas, que também têm neonazistas", explica Adriana que já foi a campo e encontrou neonazistas em Santa Catarina, sul do País. "É um movimento muito diverso e heterogêneo. Você tem desde empresários que financiam o movimento até um garoto simples de escola pública que vai ser influenciado para que ele entenda que é especial porque é branco e portador da raça ariana."

A falta de uma lei na legislação brasileira que tipifique o crime de ódio é um dos entraves para enquadrar os neonazistas para além da internet, cujas ações seguem sem identificação e notificadas apenas como homicídio. 

De acordo com a antropóloga, há ainda diferenciações estratégicas entre os grupos neonazistas brasileiros para angariar novos adeptos. Os discursos têm alvos e focos específicos. "Há grupos de classe média e classe alta. Há um discurso que fala: 'o negro ou o imigrante está ocupando seu lugar na universidade, no emprego' Do outro lado, há um outro discurso mais intelectualizado, voltado para questão ideológica, 'teórica da raça', que retoma a suástica", enfatiza Dias.

A reportagem entrou em contato com a Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância da Polícia Civil (Decradi) para mais informações sobre o monitoramento destes grupos mas não obteve respostas até o fechamento desta matéria.

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