domingo, 20 de novembro de 2016

Crônica do Dia - A dor do outro não sai no jornal - Gabriel Chalita

Rio - Na canção de Chico Buarque, os dizeres são: “A dor da gente não sai no jornal.” O compositor fala de uma tal Joana e de um João. Desconhecidos, eram os dois. Nem o barraco existe mais.


A dor dos conhecidos, às vezes, sai no jornal. Há famosos por aí que qualquer movimento desperta enorme atenção. Há outros, porém, que passam despercebidos. Mas, também, esses sentem dor. Também esses choram os seus filhos, quando eles morrem. Mesmo quando os filhos erram.

Li, com atenção, a matéria sobre “bandido bom é bandido morto”. Acompanhei várias histórias de jovens que morreram vítimas, talvez, de escolhas erradas. Sei que há uma imensa indignação da sociedade contra aqueles que agridem a própria sociedade. Vivi isso nos tempos em que pude cuidar da antiga Febem. Havia muito ódio por aqueles que ali estavam. E ódio deles mesmos por serem frutos de uma sociedade que não lhes deu oportunidades e que lhes cobrava pelos erros que cometeram. Erraram, muitos deles. Certamente. Não todos. Muitos não deviam estar ali. Mas estavam. E sofriam por ali estarem e pelo futuro.

Quem quer dar oportunidade a alguém que errou? Quem contrata alguém que passou por uma unidade de internação para adolescentes infratores ou pelo sistema penitenciário? Como eles poderão se recuperar, então? Mas por que optaram pelo erro? Optaram? Que vida levaram? Que valores aprenderam? Que exemplos tiveram?
“Sim, mas erraram”, insistem alguns. “E quem não erra?”, pergunto. “Mas cometeram atos infracionais, cometeram crimes”.

Há sociedades que optam por eliminar os que assim agem. Matam. Há outras, como a nossa, que estendem, inclusive para esses, o princípio da dignidade da pessoa humana. Eles também têm família. Eles, também, têm alguém que chora por eles, que torce por eles.

Há uma onda de reducionismos na solução de problemas. Como se bastasse uma ordem de choque para que todos os problemas se resolvessem. Seres humanos são complexos. Sociedades são complexas.

Posso garantir que, na época em que implementamos um programa de educação humanista, em que desenvolvemos a sensibilidade artística, em que nos preocupamos com a porta da saída para que eles pudessem ter uma nova chance, em que os tratamos como gente, muitos deles puderam construir uma vida digna. Ainda os encontro por aí. Ouço suas histórias. Lágrimas nos olhos, agradecendo uma mão estendida.

Dia desses, em uma palestra, ouvi uma ex-funcionária da Febem relatando o que ela viveu no tempo em que fiz com que eles acreditassem que a Educação abriria as portas para uma nova vida na dura vida daqueles jovens.

Ou nos conscientizamos de que a sociedade é um todo e que mesmo os que dão mais trabalho precisam de cuidado ou partimos para o triste caminho de tentar extirpá-los. Não é só a pena de morte que faz isso. É a insensibilidade. É a ausência de compaixão. De prontidão para abrir portas a quem se perdeu.

É preocupante o grau de egoísmo que vai tomando forma nos nossos dias. Cada um quer saber de si mesmo. Os outros são os outros. E, se os outros nada podem acrescentar a minha vida, e, se ainda me dão trabalho ou me colocam em algum risco, então, é melhor não tê-los por perto. Mas não estamos falando de coisas. Pessoas não podem ser jogadas porque incomodam. Mesmo os que incomodam sentem dor. Mesmo quando a dor deles não sai no jornal.

É sempre atual relembrar Chaplin. O que precisamos vai além das máquinas, das tecnologias. O que precisamos mesmo é de humanidade, é de afeição, é de ternura.


Gabriel Chalita

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