RIO — O sociológo francês Michel Maffesoli abriu o segundo dia do Educação 360, neste sábado, descrevendo uma era dos afetos. Na avaliação dele, a era moderna chegou ao fim em meados do século XX junto de seus paradigmas. O individualismo dá lugar à “pessoa plural”, à crença no presente sai de cena para a valorização do presente, e o racionalismo cai diante do sentimento. Esse é, para ele, o “espírito coletivo” da pós-modernidade. O encontro internacional que recebeu o professor da Universidade de Sorbonne é realizado pelos jornais O Globo e "Extra", em parceria com o Sesc. O evento, que acontece na Escola Sesc de Ensino Médio, em Jacarepaguá, tem apoio da Coca-Cola Brasil, da TV Globo e do Canal Futura.
— O que está em jogo na contemporaneidade é a diversidade, em todos os setores: cultural, sexual, religiosa. O século XIX buscava reduzir tudo a um, diminuir as diferenças. Não podemos mais. A imagem atual é como um mosaico. Existe uma coerência no todo, porém cada peça mantém sua própria configuração. Um policulturalismo. Pode haver uma harmonia a partir das diferenças, uma harmonia conflituosa — afirmou o pensador.
O centro da fala de Maffesoli são as formas de socialização. Segundo o autor, a educação é o processo de tirar a criança da barbárie e inseri-la na civilização, e isso funcionou bem para a modernidade. Mas não mais. Na avaliação do sociólogo, a história do mundo não é linear ou progressista — Maffesoli critica a ideia de que a humanidade saiu de um ponto de barbárie para um ponto de progresso. Segundo ele, a história do mundo é pendular.
— Para lembrar a etimologia da palavra, "época" significa, em grego, parênteses, que se abre e fecha. Estamos fechando o parênteses da época moderna e abrindo a pós-modernidade — explica: — Quando há mudanças de época, existe um processo de saturação. A saturação é um conceito proposto por um sociólogo americano que usa o exemplo da saturação química. Ele mostra que, em certo ponto, as moléculas que formam um corpo não podem mais ficar juntas. Existe, então, uma destruição desse corpo e, ao mesmo tempo, essas mesmas moléculas vão entrar em outro corpo, uma recomposição. O fim de um mundo não é o fim do mundo.
CRISE NA SOCIEDADE
nesse ponto de reconstrução, na avaliação dele, que estamos vivendo. Há, inclusive, o desafio de nomeá-la com exatidão. Segundo o sociólogo, chamamos isso de crise. Não só econômica, mas social. A explicação de Maffesoli é a de que cada época tem um imaginário específico. Um clima, por assim dizer. E também uma “atmosfera mental” diferente.
Na modernidade, explica o professor da Sorbonne, o homem era centrado no indivíduo – aliás, para Maffesoli, é o conceito de individualidade, que nasce no século XIX, a fundação dessa era. Nesse momento, a Reforma Protestante traduz a Bílbia para as línguas profanas e prega a valorização do trabalho — antes, associado à desonra. A crença num futuro melhor — a ideia de que o mundo é um terreno de transição – e a dialética em alta ainda criaram outras duas marcas dessa época: a postergação do gozo (ou seja, a valorização do que vem depois) e o racionalismo (a crença absoluta na razão).
— Esses três aspectos constituem a paranoia modena, que também chamo de paranoia educativa. Paranoia significa um pensamento que vem do alto, que vai se impor. Isso me parece saturado, mas ainda existe. Não acredito que podemos desperdiçar energia juvenil com esses valores. Os astrofísicos nos explicaram que ainda vemos a luz de uma estrela muito depois dela morrer. Vivemos essa situação. A grande paranoia moderna, que contribuiu para coisas lindas, está saturada e não nos demos contas.
A hipótese de Maffesoli é de que, com a pós-modernidade, a forma como socializamos nossas crianças não seja mais baseada na educação, mas sim no conceito antropológico de iniciação – “com outra palavra, talvez”, ressalta —, como numa volta ao passado das tribos.
— O desafio é como vamos mobilizar a energia dos jovens sem castrá-la demais. A gente vai acentuar os imaginários coletivos, sonhos, ideais, fantasias. Existem nessas jovens gerações uma coisa que vai acentuar as emoções vividas em comum, dos afetos e sentimentos — analisa: — As tribos são formadas por compartilhamentos de gostos, não de ideias. Um gosto sexual, musical, esportivo. Não estamos mais enclausurados no eu mestre de mim mesmo, mas em primeiro lugar privilegiamos a tribo onde eu vivo.
Outra mudança, segundo o pensador, é a do tempo. O presente passa a ser mais valorizado. O aqui é agora, como ele diz. O trabalho perde valor para o sentido de criação. Na visão de Maffesoli, o sonho agora é transformar a própria vida em obra de arte. Há, segundo ele, ainda uma relação entre essa valorização do presente com o culto ao corpo.
— Não sentimos mais, como (Sigmund) Freud afirmou sobre a modernidade, o postergamento do gozo, mas agora é o repatriamento do gozo. O correlato é a importância do corpo, que se veste, e a musculação. Presenteismo é como eu chamo a importância do corpo.
FIM DO RACIONALISMO
Por fim, a passagem da modernidade marca o fim do racionalismo. Na avaliação de Maffesoli, os seres pós-modernos acentuam o sentimento, as vibrações espirituais e artísticas. A palavra é sintonia, ou seja, estar no tom com os outros humanos. É, para o autor, uma ética da estética.
— Está se construindo um cimento ético a partir das emoções e do compartilhamento dos afetos. Essa ética da estética é que vamos encontrar nas diversas esportes, arte. As apostas são colocadas não mais na independência, mas na interdependência. E, para mim, isso é que vai constituir a ordem pós-moderna.
Na visão do especialista, ou a escola passa por essas transformações ou será extinta. Para ele, são as mudanças de paradigma da época que explicam a necessidade do fim da verticalização da educação. É por isso, explica Maffesoli, que os alunos pós-modernos (que estão nas salas de aula hoje) precisam ser ouvidos.
— A minha proposta é dizer que o oposto da paranoia vertical é o nascimento de um saber juvenil que temos que compor e acompanhar, saber que isso vai reinvestir, reutilizar e reintegrar todo uma série de parâmetros, como o lúdico, que está sendo colocado de lado. Entre corpo e mente não há mais separação.
*Do "Extra"
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