Maniqueísmo
A polêmica das cotas, na qual está em jogo o projeto de país que se quer se aberto ou regido por normas capazes de dividir perigosamente a sociedade , chegou ao Supremo Tribunal Federal, o fórum indicado para deliberar sobre um conflito
dessa magnitude. Iniciado o julgamento do tema numa ação sobre o Programa Universidade para Todos(ProUni), o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, já recebeu manifestos das duas correntes em choque.
Com o julgamento suspenso por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa, depois do primeiro voto, favorável às cotas, de Ayres Britto, os dez magistrados que faltam votar ganharam mais tempo para refletir. Experientes, os ministros
saberão se defender do maniqueísmo existente no debate. Expresso, por exemplo, no documento dos defensores das cotas entregue a Gilmar Mendes, quando ele considera ser a visão oposta uma expressão da elite conservadora, interessada em manter o poder que acumulou no período da escravidão.
É mais um equívoco dos que pretendem racializar o contrato de convívio social num país miscigenado, sem o passado de choques entre brancos e negros existentes nos Estados Unidos, fonte de inspiração da política de cotas por sinal, lá derrubada exatamente na Suprema Corte. As cotas funcionam como um cavalo de Tróia, para contrabandear uma tensão racial inexistente no Brasil.
Quando se critica a proposta, um objetivo é impedir que haja, um apartheid contra o branco pobre, um dos mais prejudicados pela idéia. Conforme alerta o documento encaminhado ao STF por 113 intelectuais, artistas, representantes de movimentos sociais e de sindicatos, as cotas, ao contrário do que se quer fazer crer, são elitistas, pois beneficiarão apenas uma franja da classe média, média/baixa, mantendo a grande massa de pobres, independente da cor, à margem do ensino. Para o governo, defensor das cotas, convém acenar com uma solução pretensamente milagrosa que o exima de executar com a pressa e prioridade necessárias a ação afirmativa mais indicada: melhorar o ensino público básico a toque de caixa e estimular programas específicos que permitam o acesso dos pobres não importa se brancos, negros, mulatos, amarelos à universidade pelos seus próprios méritos. E não por um artifício burocrático que da nada lhes valerá quando tiverem de disputar espaço no mercado de trabalho.
(O Globo)
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