Atualmente estão em moda as pesquisas sobre os dez ou as dez mais: os livros mais lidos, as personalidades dominantes e por aí vai.
Em novembro de 1997, segundo matéria publicada no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO por Rui Castro, a ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS elegeu por votação as catorze canções brasileiras mais marcantes do século. Uma pesquisa muito interessante que nos levou a recordações de músicas antigas e menos antigas como “Aquarela do Brasil”, “Carinhoso”, “Chão de Estrelas”, outras mais recentes, criadas pela bossa-nova e pelo tropicalismo, como “Alegria, Alegria”, ”O que será, Que será”,” O Bêbado e a Equilibrista”; confesso que achei essa pesquisa deliciosa, aplaudindo-a de coração.
Há algum tempo foram escolhidos os dez melhores contos da Literatura Brasileira. Claro está que Machado de Assis coloca-se em primeiro e segundo lugares, sendo os contos escolhidos “Missa do galo” e “A cartomante”.
Convém lembrar que como contista Machado de Assis é insuperável e possui tal número de contos que se torna difícil apontar qual ou quais melhores contos seus.
De acordo com a escolha, julgamos mesmo que “Missa do galo” e “A cartomante” são pequenas obras-primas.
No primeiro conto a estrutura é perfeita: seria quase impossível alcançar tantas sutilezas, tantos subentendidos num pequeno texto ambíguo, não fosse seu autor o velho Machado. No segundo, ficamos logo envolvidos pela trama, acreditando nas predições da cartomante, que nos levam a um final trágico e inesperado, lembrando os contos de Edgar Allan Poe.
Além desses contos citaria “Teoria do medalhão”, que profunda ironia se desprende dele! “O espelho”, com tanta psicologia, mas em primeiro lugar estaria “Pai contra mãe”, pelo significado que atingiu, absolvendo seu autor da crítica que tem sido feita contra Machado de Assis de não se posicionar a favor do movimento abolicionista.
Hemetério José dos Santos em um artigo publicado na “Gazeta de Notícias” acusa-o, entre outros delitos, de sua não participação na luta pela libertação dos escravos. (16, 11, 1908).
Brito Broca em “A Vida Literária no Brasil - 1900” nos dá a notícia sobre esse episódio: “Nessa página que se tornou célebre - reproduzida no Almanaque Garnier de 1910 - e freqüentemente citada, podemos considerar dois aspectos; um, visando em Machado o homem - seu procedimento para com a madrasta e a indiferença pela sorte da raça a que pertencia. Outro, visando o escritor, numa crítica tão feroz quanto ridícula e injusta”. (Brito Broca: 1975: p.213)
Deixando de lado a questão sobre o valor literário de nosso maior escritor e a p.287 na qual M. Cavalcanti Proença no Jornal de Letras em 1956 procura amenizar as críticas de Hemetério José dos Santos por suas qualidades de caráter, sua bondade e sua compreensão humana, voltemos ao que interessa que é uma análise do conto “Pai contra mãe” pelas implicações que sugerem estar Machado de Assis participante do movimento abolicionista no Brasil. (M. de Assis: 1942, p. 11).
Machado de Assis inicia a narração do conto naquele estilo tão peculiar, feito de indagações, sem certeza sobre as respostas, dizendo pouco com muito significado: a descrição dos instrumentos de tortura em uso contra o escravo, os ofícios decorrentes dessa situação social.
Em seguida fala sobre o personagem principal, Candinho, o qual não se adaptando a ofício algum, acaba tornando-se caçador de escravos fugidos; seu casamento com Clara, a gravidez da esposa em meio à crescente penúria, já que havia escassez de oportunidades nesse ofício, devido ao aumento da concorrência; enfim, conta o nascimento do filho e a proposta da tia para colocar a criança na Roda dos enjeitados, uma vez que faltavam meios para criá-la.
Entramos então no fulcro da narrativa – a tristeza do casal, tendo de aceitar as ponderações da tia, a qual afirmava que eles poderiam ter outros filhos melhor criados. A luta interior de Candinho ao levar o filho para a Roda, até deparar com uma escrava fugida, cujo dono prometia boa gratificação.
Candinho, deixando o filho em lugar seguro, domina e amarra a escrava, a qual lhe pede por piedade que a liberte, pois está grávida e o amo com certeza irá açoitá-la; é com grande esforço que Candinho consegue levá-la até a casa do dono. Recebe a gratificação enquanto a escrava aborta exausta pela luta, transida pelo medo.
Candinho corre a pegar o filho, chega em casa com a gratificação no bolso, esquecido da escrava e do aborto.
Eis aí, em poucas páginas, a descrição de uma instituição marcante da sociedade brasileira no século XIX - a escravidão - que nos leva por seu conteúdo a algumas considerações:
Através da pungência do conto percebemos os dois lados sociais existentes - o dos excluídos da sorte e o dos que contam com a boa vontade e o apoio para vencerem, isto é, os escravos negros e os brancos livres.
A frase última que fecha o conto “- Nem todas as crianças vingam, bateu- lhe o coração.” ( Machado de Assis: 1942, p. 30) é a realidade dos fatos; vingam apenas os que, mesmo em situação econômica difícil, contam com a proteção social - Candinho, mesmo próximo à miséria, era um homem livre e branco, estava ao lado dos fortes, enquanto a escrava , nem mesmo sendo considerada humana, não possuía chances.
Creio que Machado de Assis, nesse conto, penetra fundo na chaga da escravidão, mostrando o problema mais premente - o direito à vida, concedido apenas aos que são livres.
Uma acusação condenando cabalmente a escravatura.
Leituras: Broca, José Brito, A Vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1975.
Assis, Machado de, Relíquias de Casa Velha. Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, W.M. Jackson Inc, 1942.
Assis, Machado de, Contos. São Paulo, Editora Cultrix Ltda. MCMLXV.
Artigo em O ESTADO DE S. PAULO, Rui Castro, 1997.
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