A divisão do país provocou nas torcidas organizadas dos dois times um clima de ódio que transformou adversários políticos em inimigos e, pior, amigos em desafetos
16/04/2016
Ao que tudo indica, o plenário da Câmara dos Deputados repetirá amanhã o resultado da Comissão Especial do Impeachment, votando também pelo afastamento da presidente da República, embora a decisão final caiba ao Senado.
Oficialmente, o governo não perdeu a esperança, mas não tem como disfarçar a derrota de sua última tentativa de reverter o jogo, quando na madrugada de ontem o STF derrubou o recurso que pretendia anular o processo.
O Palácio continua mobilizando esforços para sustar a debandada de aliados, mas setores mais realistas do PT já preferem olhar para 2018, animados com o crescimento de Lula nas últimas pesquisas de opinião.
Ele mesmo já admitiu, em conversas reservadas, ser muito difícil a situação atual do governo. E Dilma, num encontro com jornalistas que mais parecia uma cerimônia de adeus pelo inédito bom humor exibido por ela, esforçou-se para transmitir a certeza de que não haveria golpe, deixando escapar, porém, que admite a hipótese de ser derrotada, coisa que até então era inadmissível.
Nos vários comícios palacianos, ela sempre ecoou o slogan da militância gritado nas ruas: “Não vai ter golpe”. Mas acabou se considerando “carta fora do baralho” numa possível tentativa de pacto.
Aliás, “repactuação”e “reunificação” são conceitos que, assim como “ponte”, foram muito usados pelos dois protagonistas, mas o que fica de fato como símbolo destes tempos de cólera é “o muro de Brasília”; não o metafórico, mas o real, separando fisicamente os dois lados para impedir conflitos como os que ocorrem em estádios de futebol e, de vez em quando, em plenários do Congresso.
Traduzido em números, o muro significa que um lado representaria os 61% de pessoas que não querem a permanência da presidente e o outro, os 58% que também não querem a do vice, segundo o Datafolha. É um empate técnico de rejeição que sinaliza com um “não” qualquer um dos dois.
O mais grave é que essa divisão provocou nas torcidas organizadas dos dois times um clima de ódio que transformou adversários políticos em inimigos e, pior, amigos em desafetos, numa marcha de intolerância que dá a impressão de um país pensando com o fígado.
Devido às divergências existentes até no meio jurídico, oscilei entre as duas posições, não porque o “sim” fosse o golpe que a propaganda quis fazer crer por meio de uma esperta estratégia de marketing.
Mas porque eu temia, e ainda temo, o dia seguinte, que nos oferece como alternativa a um governo sem rumo uma suspeitíssima trindade: Michel Temer, cercado de 40 aliados envolvidos na Lava-Jato; o seu “vice”, Eduardo Cunha, um réu cuja folha corrida é conhecida e a quem ele não pode deixar de ser grato pela forma como conduziu o impeachment, e Renan Calheiros, com sua mala cheia de escândalos.
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