Deparamos, no debate do impeachment, a maratona inédita da declaração, um a um, dos votos dos deputados. Preparavam-se estes para os minutos de glória, disputados até os segundos, implicando o grito de guerra ou o epitáfio, frente à sobrevivência da presidente. Mas a massa dos pronunciamentos importou num completo desvio da essência da questão, no entendimento à constitucionalidade da medida.
O impeachment não foi feito para derrubar o mau governo, mas para puni-lo de efetivo e demonstrado crime de responsabilidade na destinação das verbas públicas, diante da sua destinação orçamentária e segundo o programa do governo. A Carta não admite, de forma alguma, o emprego da medida para a remoção presidencial pelo seu mau desempenho, frente ao respeito de seu prazo de mandato. Assistimos à sucessão, no microfone, de condenações a Dilma por problemas ligados à inflação, às deficiências da prestação da educação ou da saúde ou à sobrecarga fiscal.
Acumulavam-se, em monotonia inescapável, a mesma argumentação e a diatribe exasperantemente previsível nas tomas da palavra. E tal, numa quase unanimidade, pelas vozes da oposição, num contraste com a volta ao cerne do problema pelos partidos e lideranças de esquerda.
As ditas pedaladas não poderiam ser confundidas com o crime previsto na Carta Magna na disposição dos créditos públicos, aliás, numa repetição do costumeiro do governo Fernando Henrique Cardoso e dos mandatos anteriores.
Não houve também, nos votos pró-impeachment, referência à especial inserção histórica do momento dentro do nosso processo de maturação democrática. Tal contextualização foi toda aos votos pró-Dilma, na remissão às ditaduras pregressas e à clara definição de golpe que revestiria um impeachment neste momento. O que cruzou os dois discursos foi o repúdio à presidência da sessão por Eduardo Cunha, chegando até o desaforo de baixo calão, a enfrentar a imperturbabilidade do presidente da Câmara.
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A acolhida do impeachment, e exatamente quando reforçamos nossa democracia, cria um precedente de consequências imprevisíveis, no confundir o mau governo com o governo desonesto e criar um receituário vicioso para o abate de situacionismos garantidos pela integridade do mandato presidencial. E estamos ameaçados do equívoco da dita “consciência republicana”, em confundir o conceito de legalidade com o de estabilidade, no respeito às efetivas regras do jogo político.
Diante do esfacelamento das siglas que enfrentamos, impõem-se o respeito às maiorias nascidas do voto nas urnas, frente à escamoteação da escolha popular, e o reforço das ideologias e programas a que responde a efetiva militância partidária.
Candido Mendes é membro do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, da Academia Brasileira de Letras e da Comissão Brasileira Justiça e Paz
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/violencia-do-impeachment-19136156#ixzz48rDLRsNK
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