Casa é com Z ou com S? Será que carro escreve com R ou RR? Questões como essas são parte da aprendizagem da Língua Portuguesa. A maneira como as escolas têm lidado com as dúvidas, no entanto, vem mudando bastante ao longo dos anos. Por muito tempo, os educadores defenderam que, para aprender a escrever, os alunos tinham de dominar plenamente, desde os primeiros anos do Ensino Fundamental, o código alfabético e as normas de escrita - como a pontuação e a ortografia. Surgiram aí práticas como a memorização de longas listas de palavras grafadas de forma descontextualizada e mecânica, sem que os estudantes aprendessem a construir bons textos.
Com o avanço das pesquisas sobre a formação de leitores e escritores, ficou claro que era preciso ir além dos aspectos notacionais. Para que as crianças escrevam com proficiência, é necessário priorizar a produção textual - que engloba a organização dos pensamentos e a utilização ampla de vocabulário, além de coesão, coerência, clareza e outros aspectos. O problema é que, devido à complexidade dessa atividade, ela passou a monopolizar as preocupações de muitos docentes e a ortografia foi deixada de lado.
Hoje, sabe-se que as duas discussões têm de andar juntas. "Claramente, a produção de texto é mais complexa e exige mais tempo. Porém, quanto mais o aluno compreender o sistema e souber ortografia, maior será sua capacidade de fluência leitora e escritora", diz Marly Barbosa, formadora do programa Ler e Escrever, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Sob essa perspectiva, tão logo as crianças estejam alfabetizadas, o docente deve abordar as duas frentes.
O questionamento principal é como tratar o tema com a turma, sem cair nas velhas práticas de memorização pura e simples. O ponto-chave é entender onde estão as regularidades e irregularidades da língua e levar os alunos a refletir sobre elas.
Para tanto, o educador precisa compreender o que compõe a ortografia. No texto Essa Escrita Comovida em umas Palavras-de-pernas-finas. A Ortografia na Escola, a pesquisadora Kátia Bräkling explica que a discussão sobre com que letra se escreve uma palavra tem como foco a chamada ortografia stricto sensu. Além dela, há outros aspectos em jogo: o emprego de sinais diacríticos - acentos gráficos, cedilha, apóstrofo e til; a separação silábica e translineação - quando se precisa separar o vocábulo, pois não cabe na mesma linha do texto; o uso de iniciais maiúsculas; e o emprego do hífen.
No caso das crianças recém-alfabetizadas, é melhor se ater primeiramente apenas à grafia das palavras. "Para trabalhar ortografia é essencial destacar termos do texto para que a atenção esteja concentrada neles", orienta a professora Maria José Nóbrega, autora do livro Como Eu Ensino: Ortografia (224 págs., Ed. Melhoramentos, tel. 11/ 3874-0880, 55 reais). Isso não quer dizer dar uma lista para que os estudantes reescrevam incansavelmente. Mais interessante é propor reflexões voltadas a entender as estruturas do idioma (veja sugestões na sequência didática).
Segundo os estudos de Artur Gomes de Morais, autor de Ortografia: Ensinar e Aprender (128 págs., Ed. Ática, tel. 11/4003-3061, 52,50 reais), é possível classificar três tipos de regularidades ortográficas na língua portuguesa:
Diretas: ocorrem sempre que se consegue relacionar uma letra a um som. Exemplo: as letras P, B, F, V, T e D são necessariamente associadas aos sons correspondentes a elas.
Contextuais: aparecem quando o contexto interno da palavra define qual letra será usada. Exemplo: o uso de M antes de P e B em vocábulos como LÂMPADA e BAMBU.
Morfológico-gramaticais: caracterizam palavras que se escrevem de determinada maneira por causa da classe gramatical ou flexão verbal a que pertencem. Exemplo: o uso de R no final de verbos no infinitivo (COMER) e o uso de S em adjetivos pátrios, mesmo tendo som de Z, como PORTUGUESA e FRANCESA.
Tendo esse trio em mente, cabe ao educador planejar atividades que levem as crianças a observá-lo. Isso pode ser feito propondo que identifiquem semelhanças entre termos selecionados dentro de um texto lido, a fim de agrupá-los. Ao analisar, com a ajuda do professor, ocorrências iguais em diferentes vocábulos, elas serão capazes de fazer generalizações. "Eu não preciso sobrecarregar a memória, reescrevendo a mesma palavra várias vezes, se eu reconhecer quais são as regularidades", explica Maria José.
No caso das irregularidades, uma vez que elas não são passíveis de generalizações, o único jeito de aprendê-las é conhecendo cada palavra. Um ponto que facilita grafia de um vocábulo irregular é conhecer as opções e fazer eliminações. Por exemplo: ao procurar GIRAFA no dicionário, a criança pode começar buscando na letra J. Quando não encontrar, irá direto para o G porque sabe que são essas as duas possibilidades.
É essencial, também, ensinar a turma a revisar as próprias produções. Isso ocorre de diversas maneiras. O professor pode escolher uma situação que esteja sendo trabalhada ou que se repita no texto, grifar todas as palavras que partilham dela e pedir que o aluno confira como escreveu, sem apontar o erro, mas pedindo que ele busque a opção correta. Também é possível apresentar um texto qualquer, que possua alguns equívocos, e perguntar quais erros poderiam ter sido evitados quando se fala de determinada regularidade. "Muitas vezes, eles só vão enxergar um problema específico voltando para o que redigiram em uma revisão direcionada", diz Marly.
Dúvidas sempre vão surgir
Mesmo com um trabalho consistente voltado às questões ortográficas, não é possível discutir com a turma todas as nuances do português. O educador tem de optar e o critério deve ser a frequência. Quanto mais comumente uma questão aparece no dia a dia, mais importante é conhecê-la. O ideal é começar pelas regularidades mais presentes no cotidiano da turma até chegar às irregularidades, lembrando que eliminar completamente os erros é impossível.
Mesmo o mais proficiente dos escritores só tem certeza de que sabe como se escreve uma palavra no momento de utilizá-la e, se ficar em dúvida, pode verificar no dicionário. Esse é o nível de percepção que se espera que o aluno alcance: a capacidade de reconhecer as regularidades e de recorrer ao dicionário quando se deparar com uma irregularidade, apoiando-se no que já sabe.
Para fazer esse tipo de encaminhamento todos devem estar cientes. Quando se diz "todos", inclui-se os pais das crianças. Por causa das referências que eles têm de certo e errado, é comum que reclamem de haver erros nos textos de seus filhos que não foram apontados pelo docente. Para evitar esse tipo de equívoco, é bom escrever na própria atividade qual é o objetivo pensado para ela.
REVISTA NOVA ESCOLA - LÍNGUA PORTUGUESA - 6º ANO
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