sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Editorial - Jornal O Globo - É uma farsa o objetivo do Escola Sem Partido

Natural que um governo eleito trabalhe para cumprir promessas feitas em campanha, tente executar sua agenda. Não significa, porém, na democracia representativa, que o voto popular tudo permita. Há ritos e instituições que filtram excessos e até podem ajudar a aperfeiçoar ideias. Ou simplesmente barrá-las, por impróprias.


Se Lula e seguidores não conseguiram executar tudo o que queriam inspirados no nacional-populismo, Bolsonaro e eleitores não podem imaginar que toda a agenda mais à direita que defendem poderá ser seguida. É assim que funciona a democracia representativa, e ainda bem. Se não, estaríamos em um regime autoritário, desses que existem pelo mundo, de direita e esquerda.

Na lista de propostas a serem barradas, destaca-se a ideia da “Escola Sem Partido”. Ela deriva de compreensíveis preocupações com o risco de doutrinação em vez de ensino nas salas de aula. Compreende-se, mas a forma com que bolsonaristas e aliados procuram resolver o problema é tosca, equivocada, para dizer o mínimo. Como seria se a mesma iniciativa viesse da esquerda.

Há um movimento antigo em torno do tema, e um projeto de lei substitutivo, de Flavinho (PSC-SP), para impedir “doutrinação política” nas escolas, encontra-se em comissão especial da Câmara, onde se travam duros debates. Se aprovado, deverá ir para o Senado. Na terça-feira, a sessão foi suspensa, para os trabalhos serem retomados nesta semana.

Devem-se procurar referenciais que não podem ser negociados. Um dos princípios inarredáveis: o ensino é um espaço amplo e aberto, para a formação dos alunos. O que significa informar os jovens sobre ideologias, em aulas e conversas francas.

A farsesca ideia de uma escola “neutra” é, na verdade, um atalho para a manipulação dos estudantes, à direita e à esquerda. Portanto, não cabem lei e decreto para estabelecer uma neutralidade impossível.

O caminho passa pela nomeação na área de Educação de pessoas sensatas e abertas, e por um esquema de trabalho transparente e compartilhado em comissões.

O Brasil, por sinal, tem razoável estrutura pública no setor. Há sérias dificuldades na melhoria do ensino fornecido pelo Estado, principalmente a partir do fundamental. Mas existem diagnósticos competentes e ações em curso para produzir resultados positivos: como a reforma do ensino médio e a base curricular única.

Há uma onda conservadora no país, que não pode se transformar num macartismo tropical. As instituições existem para moderá-la. Assim aconteceu nos 13 anos da esquerda lulopetista, cujos exageros também foram contidos.

Não se deve é permitir que ações obscurantistas invadam as salas de aula, que precisam ser arejadas. Também com a participação das famílias na tarefa de educar, que não é apenas de diretores de escola e professores.

*Editorial pulicado pelo Jornal O Globo, em 18 de novembro de 2018.

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