sábado, 15 de setembro de 2018

Crônicas do Dia - Incêndio de direitos

João Batista Damasceno, colunista do DIA 


Rio - Queima total! Assim o comércio popular anuncia as liquidações. O Brasil está à venda por preço vil e tudo está em chamas. Queimam a Constituição, os direitos dos trabalhadores, as garantias individuais, as referências de ordem e a esperança. O incêndio no Museu Nacional é emblemático e retrata o descaso com os valores que haveriam de nos caracterizar como nação. Há os que, armados e fardados, se ufanam e choram diante da bandeira com as cores das casas reais de Bragança e Habsburgo, mas não se sensibilizam com a desgraça que se abate sobre o país.


A institucionalização do Brasil ocorreu em 1808 com a chegada da Família Real. O prédio incendiado na Quinta da Boa Vista é parte desta história. Pertencia a um comerciante de escravos originário de Damasco, migrante desde 1790. Seu nome: Elie Antun Lubus, abrasileirado para Elias Antônio Lopes, o Turco Elias. Tinha a melhor casa da cidade e a doou a Dom João VI, para que "descansasse das fadigas do governo, e respirasse ares mais puros e saudáveis". Doar aos governantes é fonte de enriquecimento. A Quinta da Boa Vista se estendia ao que hoje é o Maracanã, a UERJ, a Favela da Mangueira e o Morro do Telégrafo.

A abertura da Estrada de Ferro Dom Pedro II até Maxambomba, atual Nova Iguaçu, em 29/03/1858, dividiu a Quinta. A casa do Duque de Saxe, genro de D. Pedro II, e onde funcionou depois o Museu do Índio, ficou do outro lado e quase também foi demolida em 2013. A presidenta do Tribunal de Justiça suspendeu liminar deferida em favor da Aldeia Maracanã e declarou que o prédio precisava ser demolido em razão de tratado internacional com a FIFA. Um país que não cumpre tratado de direitos civis e políticos, e decisão da ONU sobre o tema, considera a FIFA, uma ONG, entidade pública internacional. Mas, a FIFA negou ser exigência sua a demolição do prédio histórico para construir shopping.

Mais de um bilhão de reais foram gastos para a reforma do Maracanã, visando ao jogo final da Copa de 2014 e em outros estádios foram gastos outros 40 bilhões. Iguais quantias foram gastas para os jogos militares e as Olimpíadas e seriam suficientes para custear as necessidades do Museu Nacional, das universidades públicas, bem como sanear as favelas brasileiras. Mas, optou-se pelo espetáculo e pelo enriquecimento das empreiteiras e dos cartolas.

Se antes o Museu da Quinta fora negligenciado, maior foi a negligência após promulgação da Emenda Constitucional que congela os gastos públicos por 20 anos. Um dos aprovadores da PEC 241 foi o deputado-operador de Eduardo Cunha e que foi convidado a palestrar na UFRJ, no CENABIO, no último dia 09, como se não tivesse responsabilidade pelo caos acometido ao Museu Nacional e à própria universidade. Quem convidou o operador de Eduardo Cunha para palestrar na UFRJ deve ter suas razões. Particularmente suas!

João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito

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