Cantor criticou decisão que vetou show dele em ocupação do MTST e declarou que esta é a primeira vez em que é proibido de cantar no período democrático
Por Ricardo Chapola
Depois de a Justiça de São Paulo barrar o show de Caetano Veloso na ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em São Bernardo do Campo (SP), o cantor e compositor classificou a decisão como “manobra legal” e afirmou que esta foi a primeira vez em que foi impedido de cantar desde o fim da ditadura militar, em 1985. Mais cedo, a juíza Ida Inês Del Cid, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Bernardo, atendeu a pedido do Ministério Público, que alegou que a área é invadida, que a invasão é ilegal e que o local não tem estrutura para comportar um show desse porte, além de não ter as autorizações necessárias.
“No período democrático, creio que não, é a primeira vez [que é impedido de cantar]. Eu vivi o período oficialmente não democrático, não é bom pra mim ser impedido de cantar”, disse o cantor a jornalistas. Questionado por que havia usado o termo “oficialmente não democrático”, Caetano explicou que “durante a ditadura, era nitidamente uma ditadura, fechou-se o Congresso, não se dizia que era democracia, não era. Mas agora, formalmente, é uma democracia, então a gente tem que obedecer às leis do Estado de Direito”.
Para o cantor e compositor, “manobras legais foram feitas para que o show não pudesse acontecer” e a decisão “dá a impressão de que não é um ambiente propriamente democrático”. “Pode ser um modo de reprimir alguma ação que seria legítima, em princípio. Mas eles apresentam também justificativas por causa de segurança, porque como o lugar não foi vistoriado. Mas não é em um lugar interno, tem espaço, seria possível. Eu acho que há má vontade deles”, criticou Caetano.
Além de Caetano Veloso, a comitiva de artistas contou com as atrizes Sonia Braga, Leticia Sabatella e Alline Moraes, os cantores Emicida e Criolo e a produtora Paula Lavigne, mulher de Caetano. O vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) e o deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL) também participaram do ato.
Caetano disse ter se inteirado da pauta de reivindicações da invasão do MTST a partir de uma conversa com o líder do movimento, Guilherme Boulos, no Rio de Janeiro. Ele argumentou que um terreno como o ocupado pelos sem-teto, que pertence a uma construtora e está vago há 40 anos, “não pode ficar sem função social”. “Não é um parque, não é uma construção para moradia, então, a invasão tem um sentido de exigir que a lei se cumpra, então achei que é legítimo apoiar publicamente e estar perto das pessoas, viver e cantar”, completou.
O cantor ainda declarou que, embora o show tenha sido barrado, as pessoas que participam da invasão puderam ver que têm apoio de parte da classe artística.
Ao fim da curta entrevista a jornalistas, Caetano foi questionado sobre qual música dedicaria aos membros da ocupação. Encorajado por Paula Lavigne, que pediu “uma cantadinha”, “porque isso aqui não é show, é entrevista”, o compositor citou a música Gente, escrita por ele em 1977, e cantarolou alguns versos. Veja abaixo o vídeo e a letra da canção:
Gente (Caetano Veloso)
Gente olha pro céu
Gente quer saber o um
Gente é o lugar
De se perguntar o um
Das estrelas se perguntarem se tantas são
Cada, estrela se espanta à própria explosão
Gente é muito bom
Gente deve ser o bom
Tem de se cuidar
De se respeitar o bom
Está certo dizer que estrelas
Estão no olhar
De alguém que o amor te elegeu
Pra amar
Marina, Bethânia, Dolores,
Renata, Leilinha,
Suzana, Dedé
Gente viva, brilhando estrelas
Na noite
Gente quer comer
Gente que ser feliz
Gente quer respirar ar pelo nariz
Não, meu nego, não traia nunca
Essa força não
Essa força que mora em seu
Coração
Gente lavando roupa
Amassando pão
Gente pobre arrancando a vida
Com a mão
No coração da mata gente quer
Prosseguir
Quer durar, quer crescer,
Gente quer luzir
Rodrigo, Roberto, Caetano,
Moreno, Francisco,
Gilberto, João
Gente é pra brilhar,
Não pra morrer de fome
Gente deste planeta do céu
De anil
Gente, não entendo gente nada
Nos viu
Gente espelho de estrelas,
Reflexo do esplendor
Se as estrelas são tantas,
Só mesmo o amor
Maurício, Lucila, Gildásio,
Ivonete, Agripino,
Gracinha, Zezé
Gente espelho da vida,
Doce mistério
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