Constituição determina indiretas, mas com o Congresso que está aí?
Chove em Nova York. Pessoas se esbarram com os guarda-chuvas, é complicado caminhar, difícil ver vitrines, quase impossível fotografar. Ainda assim, alguns turistas enfrentam o aguaceiro para fazer selfies diante da Trump Tower, grande atração desde que o seu proprietário assumiu a presidência. Há guardas e grades em frente ao edifício, mas os gatos pingados que protestavam quando estive aqui há algumas semanas sumiram. Paro debaixo da marquise do prédio em frente e olho o movimento. Apesar do gosto duvidoso e do excesso de mármores e dourados, a Trump Tower não destoa inteiramente desse cânion de torres, dessa fileira de monumentos ao dinheiro e ao poder.
Magnatas antigos, do tempo em que a educação era considerada elemento essencial à vida civilizada — em que a vida civilizada era considerada elemento essencial à vida civilizada — financiavam obras de arte, e há algumas construções notáveis na vizinhança; Trump, porém, preferiu demolir um edifício histórico, construído nos anos 1920, onde, durante décadas, funcionou uma loja de departamentos chamada Bonwitt Teller. Houve alguma gritaria na época, mas, naquele já distante ano de 1979, mesmo aqui em Nova York, prédios antigos eram apenas prédios antigos. Mais tarde, Trump se vangloriou de ter mandado destruir pessoalmente as esculturas que enfeitavam a fachada, e que havia prometido ao Metropolitan Museum. A história dessa torre é tão cheia de maracutaias que oito andares simplesmente não existem, e os elevadores levam os passageiros direto do quinto ao décimo quarto andar.
Para os turistas, no entanto, a única coisa que importa é que essa é a torre do presidente. Eles param um segundo para as suas selfies, como param os turistas em qualquer ponto do mundo, seja a Torre Eiffel ou o Pão de Açúcar, e vão embora. Eu também vou, porque tenho mais o que fazer. O vento vira o meu guarda-chuva e, até conseguir desvirá-lo, fico totalmente encharcada.
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Somos um grupo variado, com gente de todos os cantos. A certa altura do jantar, nós, brasileiras, pedimos desculpas a colegas, do México, da França e da Inglaterra, por estarmos conversando tanto entre nós, em português.
— É por causa da situação política, não conseguimos falar sobre outra coisa...
— Que situação política?
— O escândalo.
— Ah, há um escândalo no Brasil?
Na hora do almoço, no dia seguinte, descubro que os indianos também não têm ideia do que está acontecendo. Eu sei, eu sei. Eles são nerds e só pensam em tecnologia. Mas a verdade verdadeira é que o Brasil não passa no exterior.
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Bia me liga enquanto faço as malas.
— Quanto tempo você fica em Nova York?
— Duas noites.
— Será que quando você voltar o Temer ainda vai estar no cargo?
O porteiro me ajuda na saída do elevador.
— A senhora fica muito tempo?
— Não, desta vez é rápido, volto na quinta-feira.
— Será que o Temer cai até lá?
Hoje, mais ou menos quando este jornal estiver chegando às bancas e à casa dos leitores, o meu avião estará aterrissando no Galeão. Espero ter a boa notícia que não tive até agora, e que possa, enfim, ter este pequeno, pálido motivo para comemoração: a queda do Temer.______
Vi muitas coisas bonitas e dignas de nota em Nova York. O barulho de fundo, porém, é o mesmo — a gente sai do Brasil, mas o Brasil não sai da gente. O que acontece agora?, nos perguntamos uns aos outros, brasileiros, em cada pausa para o café, em cada encontro casual na rua, em cada refeição. Temer perdeu a chance histórica de mostrar que dignidade, ao menos, ele tinha, e agoniza em praça pública. Tenta comprar um tempo que não tem e que não merece. E lá vamos nós mais uma vez, de desastre em desastre.
Já li e ouvi argumentos a favor de diretas e de indiretas. A Constituição determina indiretas, mas com o Congresso que está aí? Que moral têm esses ratos para dizer quem corta o queijo? Por outro lado, que diretas? Com os marqueteiros de sempre? Com as montanhas de dinheiro sujo que compraram as últimas — e talvez todas, ever, desde sempre — eleições e reeleições? Alguém ainda acredita, no fundo do coração, de noite, debaixo das cobertas, que a vitória de Dilma, arquitetada por João Santana, foi limpa? Ou que uma eventual vitória do Aécio teria salvado o país? Ou que, agora, a possível vitória de um Lula, digamos, ou de um Bolsonaro, será tranquilamente aceita por todos os brasileiros?
Começo a pensar que, no fundo, tanto faz. O problema não é o presidente — ou não é só o presidente. Não há nada que ele ou ela possa fazer, do alto dessa pirâmide de imundície. As estruturas estão podres, o Brasil está podre. Se amanhã importarmos uma freira finlandesa para assumir a Presidência, à tarde ela será estuprada e em dois dias estará se prostituindo. Com gosto.
A única coisa líquida e certa é que Temer não tem mais a menor chance de continuar no cargo.
Vaza, Temer.
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stest
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