App'0'calipse
A pane do WhatsApp durou duas horas. Para muitos, uma eternidade de incertezas
Quarta-feira, às 17 horas, o WhatsApp parou. Nas redes sociais, o alarme soou como se fosse a Terra que tivesse parado, igual ao filme clássico ou à canção de Raul Seixas. Logo circulou a informação de que o blecaute do mensageiro eletrônico mais usado no planeta, desta vez, era em escala mundial. A correria se instalou. Nas postagens e nos comentários, todo tipo de especulação vinha à tona: de guerra nuclear à queda de Temer; da volta de Dilma a um atentado de hackers russos; da prisão de Lula ao mergulho de um meteoro. E agora?
Em ritmo exponencial, que logo atingiu o ápice dos trending topics, a boataria tinha jeito de síndrome global do pânico. Até os rasgos de humor pareciam disfarçar a sensação típica que produz sorrisos amarelos quando um avião entra em turbulência severa a dez mil metros de altitude e velocidade de cruzeiro.
Mas nos voos de grandes companhias os passageiros sabem que a chance de um avião cair nessas condições é desprezível. Já na pane mundial do WhatsApp os usuários estavam desorientados como se houvesse tocado a sirene de um bombardeio sobre Londres na Segunda Guerra Mundial.
A pane do WhatsApp não parou os hospitais. Nenhum serviço essencial foi interrompido. A corrente de informações também estava a pleno vapor: mesmo sem o aplicativo de mensagens, os telefones, e-mails e outros bate-papos continuavam a funcionar; os sites e a televisão seguiam informando o que acontecia no Brasil e no mundo (nada fundamentalmente novo acontecia, só o caos usual); e as redes sociais bombavam.
As luzes da cidade começavam a ser acesas e os meios de transportes enfrentavam a hora do rush como de hábito. Ao contrário da canção de Raul, o empregado saiu, sim, para o trabalho. O guarda saiu para prender, multar ou se locupletar, e o ladrão saiu para roubar. Nas igrejas, todos os sinos badalaram. O professor saiu para lecionar, e os alunos estavam lá.
O que temiam, então, os usuários do WhatsApp? O medo de fundo, como se viu, não era de que algo externo estivesse ocorrendo. Nem da incomunicabilidade. Era um medo mais parecido com o que acomete um dependente de drogas. O medo de um fumante furioso cujo maço acabou e não há onde comprar outro. O medo de um usuário de crack sem a próxima dose. A agonia de um heroinômano no início de uma crise de abstinência.
Pouco importava se a Terra, na verdade, não parou. O colapso que se temia era interno, subjetivo. O que fazer quando se interrompe o fluxo contínuo de mensagens, quando se está trêmulo diante da iminência da próxima notificação sonora, à espera do emoticom, das fotos que vêm em enxurrada, da resposta decisiva da namorada? Ou do próximo ataque no grupo de discussão? Afinal, para onde vai a mente dos que, imersos dia e noite na ilusão da grande telepatia coletiva, veem-se repentinamente desprovidos de seu ambiente vital, como o professor Xavier de X-Men quando o “Cérebro”, máquina que conecta sua mente poderosa a todas as outras mentes do mundo, dá defeito?
A pane do WhatsApp durou apenas duas horas. Quando o aplicativo voltou ao ar, a nuvem-mor estava ali, de novo, a pairar, protetora, sobre seus devotos. Um alívio semelhante ao armistício da Guerra dos Cem Anos resumidos em duas horas de solidão. Para muitos, uma eternidade de incertezas. Como se, de novo sob os cuidados do provedor, pudesse haver certezas sobre algo. Um sabor de retorno ao lar. A Terra voltou a girar. E as vidas puderam seguir seu curso.
Agora, passados dois dias, ao procurar informações sobre o que ocorreu, acabo esbarrando em fatos surpreendentes. Por exemplo, o WhatsApp tem uma equipe de apenas 57 operadores, e olhem que isso corresponde a um quadro de colaboradores ampliado: antes de ser adquirido pelo Facebook, eram 35 funcionários. Segundo o site de notícias em que recolho esses dados, isso significa que há um desenvolvedor para cada 18 milhões de contas.
Não encontro, no site, o número total de usuários, mas, em vez de procurar no Google, lanço-me a um exercício de dedução analógica clássica. Penso que é útil, em meio a tanta turbulência, ver como me saio com uma conta de multiplicação um pouco mais cabeluda. Vai saber... Decido, portanto, não recorrer à calculadora. Vou até meu quadro branco e, sentindo-me um cientista, anoto, com o marcador preto, os fatores: 57 vezes 18 milhões. Eis o desafio.
Estou um pouco enferrujado mas, após uma honrosa batalha com a memória metodológica, chego ao resultado (1 bilhão e 26 milhões), que sublinho com o marcador roxo para comemorar, após conferir na calculadora sua exatidão.
Sinto o cheiro do pilot, feito à base de etanol, surfactantes Plysurf 1208S e A2125 (o que é um surfactante?) e éster de ácido carboxílico monobásico. Fico tonto. É inebriante este mundo onde, fora do digital, e com as próprias mãos, ainda é possível viver e expandir o conhecimento. A boa notícia: se um dia tudo sair do ar, a cabeça funciona, mesmo desplugada da rede.
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