Os compêndios do futuro hão de registrar com clareza o papel que teve essa nova geração de juízes, promotores e policiais federais nessa transição
21/05/2017
Nelson Paes Leme, O Globo
Pensávamos que já tínhamos chegado ao fundo do poço com o festival de mentiras lançado por Lula contestando as várias delações premiadas. Até essa verdadeira bomba revelada pelo jornalista Lauro Jardim sobre o envolvimento direto do presidente Michel Temer, de forma comprovada, na alta corrupção da JBS com Eduardo Cunha.
Ficaram expostas as vísceras mais escabrosas dessa nossa “latrocracia”, ou do capitalismo de Estado que temos e a economia social de mercado que desejamos. Isso porque estamos bem distantes deste ideal. Mas, pelo menos, a caminho, com a revisão das práticas históricas de aparelhamento do Estado através do fisiologismo político e da corrupção sistêmica de seus agentes pelos representantes do capital produtivo e financeiro que, historicamente, temos praticado desde o Descobrimento.
Este, talvez, tenha sido o maior benefício gerado pela operação Lava-Jato e as congêneres que a sucederam: tentar separar o capital do Estado.
O Estado moderno perseguido pela ciência política e a ciência econômica é o Estado de bem-estar social, combinado com a livre iniciativa de seus cidadãos. O Estado puro, gestor, fiscal e eficiente na prestação dos serviços essenciais à sociedade, tais como saúde, educação, segurança e planejamento infraestrutural.
E o que temos no Brasil hoje ainda é o Estado empresário, hipertrofiado, perdulário, patrimonialista e concentrador de riqueza nas mãos de uma burocracia corrupta, sócio de um capitalismo primário, predador, corruptor e deletério.
Um governo de transição de uma realidade a outra não pode ser tíbio nem comprometido, ainda que reúna talentos. Há de ser incisivo, insuspeito e respeitado. Não é isto que acontece no Brasil neste instante decisivo e delicado.
O governo de transição não existe como fruto desse pacto, mas é um naco ainda vigente dessa conjunção espúria, composto por acusados e investigados, como agora fica comprovado.
Os compêndios do futuro hão de registrar com clareza o papel que teve essa nova geração de juízes, promotores e policiais federais nessa transição.
Aliás, esta transição que estamos a viver é, certamente, bem mais complexa do que a recente transição do autoritarismo para a democracia.
Poderíamos chamá-la de transição do estatismo para o capitalismo real. Pode-se mesmo dizer que esta seria o corolário daquela, porque o autoritarismo remanesce em atitudes atávicas de políticos tradicionais, nos comandos recentes do governo central e das próprias casas do Congresso Nacional — alguns deles já encarcerados, outros já réus ou investigados, mas petulantes e desafiadores em suas posturas públicas, como se donos do Estado fossem. Mas essa assepsia, ainda que indispensável e louvabilíssima, não é suficiente.
É fundamental, por exemplo, a reforma do Estado a partir da Federação. A reforma federativa é urgente porque já começa a redistribuir renda, com a revascularização das receitas dos três entes federados e reorganizando os serviços públicos, visando à reforma política e à implantação do voto distrital. Além disso, a reforma federativa é o primeiro passo para acabar com a macrocefalia administrativa e centralizadora da União, em detrimento de estados e municípios.
Os três entes federados deveriam ser quatro, com a introdução do distrito federado autônomo e interativo com a Federação. Seria o fim desses “fundos de participação”, remendos legislativos que acentuam as desigualdades regionais.
Os recursos públicos para gerir os entes federados têm de estar próximos da fiscalização pela própria cidadania como braço auxiliar essencial do controle das contas públicas. Os tribunais de contas devem ser órgãos de supervisão auxiliar dessas contas e de reforço técnico a essa ação cidadã permanente.
Para tanto, se torna indispensável a existência do distrito federado autônomo. Não apenas eleitoral, mas tributário e administrativo, diminuindo os butins federais, estaduais e das megalópoles, onde ocorre o assalto sistemático e incontrolável do Erário. Isto, em relação aos recursos que dizem respeito diretamente ao dia a dia do cidadão, como educação, saúde e segurança pública, além da mobilidade e dos equipamentos urbanos.
O Estado macrocéfalo e centralizador tem se tornado o maior entrave ao desenvolvimento da moderna economia social de mercado praticada na grande maioria dos países civilizados — onde se dá a excelência na prestação dos serviços públicos e na infraestrutura aceleradora e impulsionadora da economia estável, onde os capitais da iniciativa privada fluem livremente. E deslancham o empreendedorismo sadio, liberto dos tentáculos do paternalismo e da corrupção configurados pela onipresença de um Estado onipotente, corrompível em sua própria gênese e clamorosamente ineficiente.
O único meio legítimo de alcançarmos esse estágio superior de desenvolvimento é através de uma corajosa reforma constitucional do Estado brasileiro. Agora então, urgentementissimamente!
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