sexta-feira, 10 de junho de 2016

Conto - A Cartomante de Machado de Assis, uma análise crítica

O presente trabalho trata se de uma análise do perfil psicológico dos personagens principais do Conto “A Cartomante” de Machado de Assis, a luz das Teorias Fenomenológica Existencial utilizando-se para tanto uma analise subjetiva das situações ocorridas e atitudes de cada personagem durante sua trajetória na trama.
            No conto ”A Cartomante”, Machado de Assis, mostra a visão objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas (não existe final feliz). O autor faz uma análise psicológica das contradições humanas na criação de personagens imprevisíveis, jogando com insinuações em que se misturam a ingenuidade e malícia, sinceridade e hipocrisia.
            Crítica humorada e irônica das situações humanas, das relações entre os personagens e seus padrões de comportamento. Utiliza-se de uma Linguagem sóbria que, entretanto, não despreza os detalhes necessários a uma análise profunda da psicologia humana.



 LOCALIZAÇÃO NO ESPAÇO PSICOLÓGICO
           No conto ”A Cartomante”, Machado de Assis, mostra a visão objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas O autor faz uma análise psicológica das contradições humanas na criação de personagens imprevisíveis, jogando com insinuações em que se misturam a ingenuidade e malícia, sinceridade e hipocrisia.
            Identifica-se neste conto, a falta de sentido, a liberdade consequente da indeterminação, a ameaça permanente de sofrimento, da origem à ansiedade, à descrença em si mesmo e ao desespero fazendo com que ele possa ser interpretado por um viés da Fenomenologia Existencial, pertencente ao grupo das Matrizes Românticas e Pós Românticas.
            Nestas Matrizes, o indivíduo, a liberdade e imagens afins são colocados no altar, sem que se analisem as condições concretas de realização de tais pressupostos, independentemente de questões menores de dominação e poder, a liberdade é indestrutível, o indivíduo é livre, a escravidão é uma opção. Legitima-se assim, o retraimento do sujeito sobre si mesmo.
            Na fenomenologia existencial, propriamente dita, ”o homem é visto na realidade de sua existência (com suas crenças e valores), cuja consciência é influenciada pelo mundo que o cerca (em constante mudança), deixando de ser algo que existe por si só. Já não é a consciência do homem que constitui o mundo, mas é o homem e o mundo, numa dialética, que se constituem um ao outro. Não se pode afirmar quem age sobre quem: se o homem sobre o mundo ou vice-versa. É a esta dicotomia a qual Merleau-Ponty denomina de ambiguidade.”[1]
            Um bom exemplo no conto é quando o autor diz:
Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas. Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela.
          Observa-se que quando tudo parecia bem, para o casal, de repente há uma interferência externa através de uma carta anônima, que faz com que tudo mude, ou seja, o mundo agindo sobre o homem.
  CONTEXTO CULTURAL HISTÓRICO LITERÁRIO: [2]

            O Realismo no Brasil teve seu início, oficialmente, em 1881, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de seu mais célebre autor, Machado de Assis. Esta escola só entra em declínio com o surgimento do Parnasianismo, por volta de 1890.
            Com a introdução do estilo realista, assim como do naturalista, o romance, no Brasil, ganhou um novo alcance, a observação. Começou-se a escrever buscando a verdade, e não mais para ocupar os ócios dos leitores.
            Machado de Assis, considerado o maior expoente da literatura brasileira e do Realismo no Brasil, desenvolve em sua ficção uma análise psicológica e universal e sela, portanto, a independência literária do país.
              Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro, era mestiço e de origem humilde. Cresceu sob os cuidados da madrasta Maria Inês, pois assim como a mãe, a portuguesa Maria Leopoldina, seu pai, o mulato Francisco José de Assis, morreu cedo. Apesar de ter frequentado escola pública e começado a trabalhar desde cedo, alcançou boa posição como funcionário público, cargo que lhe proporcionou tranquilidade financeira. Casado com Carolina Xavier de Novais, Machado de Assis dedicou-se à literatura e produziu a melhor prosa brasileira do século XIX.
              O escritor compôs cerca de duzentos contos.
              Os romances e contos anteriores à década de 1880 revelam influências românticas, assim como Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878), Contos Fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873).
Machado revela-se mais maduro a partir da publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas (1881); essa marca a segunda etapa de sua produção. O escritor desenvolve uma ironia feroz, retrata um humor velado e amargo em relação àquilo que retrata, característica fundamental do Realismo.
              Nessa nova fase incluem-se os romances Quincas Borba (1891), Dom Casmurro ( 1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Entre seus inúmeros contos estão: “O alienista”, “A cartomante”, “Missa do galo”, “Uns braços”, “O espelho”, “Cantiga de esponsais”, “Teoria do medalhão”, “A causa secreta”.
            Nesta época, no Brasil do Segundo reinado (de 1840 a 1889), impera o conhecido "parlamentarismo às avessas", quando o Imperador D. Pedro II escolhe o senador ou o deputado para o cargo de primeiro-ministro, com a complacência do Partido Liberal e do Partido Conservador, que se revezavam no poder, sempre segundo os interesses da oligarquia agrária.
            No campo da economia, o Brasil, na metade do século XIX, ainda mantinha uma estrutura baseada no latifúndio, na monocultura de exportação com mão-de-obra escrava voltada para o mercado cafeeiro.
            Por volta da década de 1870, no entanto, as oligarquias agrárias, que até então "davam as cartas" na economia e na política do país, sofrem pressões internacionais para o desenvolvimento do capitalismo industrial no Brasil, no sentido de um processo de modernização que se dá lentamente. Inicialmente, pela proibição do tráfico negreiro. Com isso cresce a mão-de-obra imigrante, desenvolve-se a indústria cafeeira no interior do estado de São Paulo e ferrovias são construídas. Ao longo dos trilhos, concentram-se as fábricas que dão origem à classe média urbana, que se insatisfaz com a falta de representatividade política.
            Essa classe apoia-se no Exército e aceita a liderança dos cafeicultores paulistas, responsáveis pelos trabalhadores assalariados no país e defensores de mudanças estruturais, como a substituição da Monarquia, já desgastada e reacionária, pela República.
            A Proclamação se dá em 1889, porém, a República não atenderia as ambições da classe média e dos militares. Então, representantes das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais passam a controlar o Estado brasileiro, por meio de uma aliança entre seus governadores que ficou conhecida como "Política do café-com-leite".
            O Brasil da época é um país com ideias liberais, republicanas, "modernas", no entanto, tem que conviver com uma estrutura político-econômica oligárquica, agrária, latifundiária e coronelista.
            Da Europa foram trazidas algumas ideias, entre elas o positivismo de Auguste Comte[3], o determinismo histórico de Taine[4], o socialismo utópico de Proudhon[5] e o socialismo científico de Karl Marx[6], o evolucionismo de Darwin e a negação do Cristianismo de Renan.
 CONCEITOS FUNDAMENTAIS
             O Existencialismo difundiu-se como o pensamento mais radical a respeito do homem na época contemporânea. Surgiu em meados do século XIX com o pensador dinamarquês Kierkegaard e alcançou seu apogeu após a Segunda Grande Guerra, nos anos cinquenta e sessenta, com Heidegger e Jean-Paul Sartre.
         A corrente existencialista assimilou ainda uma influência da fenomenologia cuja figura principal, Husserl, propõe a descrição dos fenômenos tais como eles parecem ser sem nenhum pressuposto de como eles sejam na verdade. Para o existencialismo, a fenomenologia de Husserl significou um interesse novo no fenômeno da consciência.
            Reunindo as sínteses do pensamento de cada um desses filósofos podemos listar os postulados principais dessa corrente filosófica que são:
         1. A primeira é o ser humano enquanto indivíduo, e não com as teorias gerais sobre o homem. Há uma preocupação com o sentido ou o objetivo das vidas humanas, mais que com verdades científicas ou metafísicas sobre o universo. Assim, a experiência interior ou subjetiva - e aí está à influência da fenomenologia - é considerada mais importante do que a verdade "objetiva".
            2. O homem não foi planejado por alguém para uma finalidade, como os objetos que o próprio homem cria, mediante um projeto. O homem se faz em sua própria existência.
            3. O mundo, como nós o conhecemos, é irracional e absurdo, ou pelo menos está além de nossa total compreensão; nenhuma explicação final pode ser dada para o fato de ele ser da maneira que é;
            4. A falta de sentido, a liberdade consequente da indeterminação, a ameaça permanente de sofrimento, da origem à ansiedade, à descrença em si mesmo e ao desespero; há uma ênfase na liberdade dos indivíduos como a sua propriedade humana distintiva mais importante, da qual não pode fugir.[7]
         Kierkegaard contribuiu com a ideia original do existencialismo de que não existe qualquer predeterminação com respeito ao homem, e que esta indeterminação e liberdade levam o homem a uma permanente angústia.
            Segundo Kierkegaard, o homem tem diante de si várias opções possíveis, é inteiramente livre, não se conforma a um predeterminismo lógico, ao qual, segundo Hegel, estão submetidos todos os fatos e também as ações humanas. A verdade não é encontrada através do raciocínio lógico, mas segundo a paixão que é colocada na afirmação e sustentação dos fatos: a verdade é subjetividade. A consequência de ser a verdade subjetiva é que a liberdade torna-se ilimitada. Consequentemente não se pode, também, fazer qualquer afirmativa sobre o homem. O pensamento fundamental de Kierkegaard, e que veio a se constituir em linha mestra do Existencialismo, é este: inexiste um projeto básico, para o homem verdadeiro, uma essência definidora do homem porque cada um se define a si mesmo e assim é uma verdade para si. Daí o modo conhecido que sintetiza o pensamento existencialista: "no homem, a existência precede a essência".
            No caminho da vida há várias direções, vários tipos de vida a escolher, dentro de três escolhas fundamentais: o modo de vida estético, do indivíduo que não busca senão gozar a vida em cada momento; o modo ético, do indivíduo que é maquinalmente correto com a família e devotado ao trabalho, e o modo religioso dentro de uma consciência de fé.
         A liberdade, segundo ele, gera no homem a angústia que pode levá-lo, de várias formas, ao desespero. Então, cada decisão é um risco, o que deixa a pessoa mergulhada na incerteza, pressionada por uma decisão que se torna angustiante. Como no modo de vida estético, ele escolhe fugir dessa angústia e do desespero através do prazer e de buscar a inconsciência de quem ele é. Outra forma de fuga é ignorar o próprio eu, tornar-se um autômato, apegar-se a um papel, como no modo de vida ético.
            Já Heidegger, filósofo alemão Martin Heidegger(1889-1976), declarou-se um investigador da natureza do Ser. Heidegger contribuiu com seu pensamento sobre o ser e a existência, de onde o nome dado à corrente filosófica de "Existencialismo".
            Heidegger[8] divide a existência em três "estruturas existenciais": afetividade, fala e entendimento. São três fenômenos existenciais que caracterizam como as coisas do passado, do presente e do futuro se manifestem para o homem e a unidade desses três fenômenos constitui a estrutura temporal que faz a existência inteligível, compreensível.
1) A afetividade: as coisas do passado chegam ao homem como valores, afetando-lhe os sentimentos, que podem ser públicos, compartilhados, e transmissíveis.
2) A fala: no presente, as coisas se traduzem em palavras da linguagem na articulação dos seus significados
3) O entendimento: as coisas do futuro, onde o projeto que define o homem encontrará a morte, são as coisas não garantidas, que lhe são devolvidas para gerar nele o sentimento de que não está em casa neste mundo, mesmo estando entre as coisas que lhe são mais familiares.
            Portanto, no homem, o ser está relacionado ao tempo e está dado nestes três fenômenos, nestes três "existenciais".
            No existencialismo há aspectos importantes a ser considerada a alienação e a angústia.
     Na alienação[9]. O homem está fora das coisas, diz Heidegger em "O ser e o tempo", nunca sendo completamente absorvido por elas, mas não obstante, não sendo nada, à parte delas. O homem vive, até o fim, em um mundo no qual ele foi jogado. Sendo algo jogado em meio às coisas, estando-lá (Da-sein), constitui algo à parte (Verfall), mas está no ponto de ser submergido nas coisas. É continuamente um projeto (ent-wurf); mas ocasionalmente, ou mesmo normalmente, pode ser submergido nas coisas a tal ponto que é absorvido nelas temporariamente (Aufgehen in). O homem encobre aqueles condicionantes existenciais, - aquilo que ele de fato é -, entregando-se a uma rotina de superficialidades "públicas" na vida cotidiana. Não é então ninguém em particular; e uma estrutura que Heidegger chama das Man ("o eles”) é revelada, como uma tendência da alienação de si mesmo que leva o homem à tendência de se conhecer apenas através da comparação que faz de si mesmo com os outros indivíduos seus pares.
            Mas uma coisa pode acontecer que desperta o homem dessa alienação, a angústia[10]. Ela resulta da falta de base da existência humana. A "existência" é uma suspensão temporária entre o nascimento e a morte. O projeto de vida do homem tem origem no seu passado (em suas experiências) e continuam para o futuro, o qual o homem não pode controlar e onde esse projeto será sempre incompleto, limitado pela morte que não pode evitar.
            A angústia funciona para revelar o ser autêntico, e a liberdade como uma potencialidade. Ela oportuniza ao homem escolher a si mesmo e governar a si mesmo.
            Na angústia, a relevância do tempo, da finitude da existência humana, é experimentada então como uma liberdade para encontrar-se com sua própria morte, um "estar preparado para" e um contínuo "estar relacionado com" sua própria morte. Na angústia, todas as coisas, todas as entidades em que o homem estava mergulhado se afastam, afundando em um "nada e em nenhum lugar," e o homem então em meio às coisas,
 paira isolado e em nenhuma parte se acha em casa. Enfrenta o vazio, a solidão existencial, e toda a "rotinidade" desaparece e isto, para Heidegger, é bom, uma vez que ele então encontra a potencialidade de ser de modo autêntico.
            Assim, a angústia "sóbria" e a confrontação implicada com a morte são primeiramente ferramentas, têm importância metodológica: certos fundamentos são revelados. A ansiedade abre o homem para o ser.[11]
         Para Jean-Paul Sartre (1905-1980), a ideia central de todo pensamento existencialista é que a existência precede a essência. Não existe nenhum Deus que tenha planejado o homem e, portanto não existe nenhuma natureza humana fixa a que o homem deva respeitar. O homem está totalmente livre é o único responsável pelo que faz de si mesmo. E são para ele, assim como havia colocado Kierkegaard, esta liberdade e responsabilidade é a fonte da angústia.
         Sartre leva o indeterminismo às suas mais radicais consequências. Porque não há nenhum Deus e, portanto nenhum plano divino que determina o que deve acontecer, não há nenhum determinismo. O homem é livre. Não pode desculpar sua ação dizendo que está forçado por circunstâncias ou movido pela paixão ou determinado de alguma maneira a fazer o que ele faz.[12]
         Podemos concluir que os existencialistas partem do pressuposto de que a existência é anterior a essência tanto em relação ao ser, ou à realidade, quanto em relação ao conhecimento. Na perspectiva do existencialismo, as ideias, ou as essências, não são anteriores às coisas, pois não se acham previamente contidas nem na inteligência de Deus, nem na inteligência do homem. As ideias, ou essências, são contemporâneas das coisas, são as próprias coisas consideradas de determinado ponto de vista, em sua universalidade e não em sua particularidade. Síntese do universal e do particular, o indivíduo existente é redutível ao pensamento, ou inteligível, na medida em que contém o universal, a essência humana, por exemplo, nesse homem determinado, e irredutível, enquanto particular, esse homem com características que o distinguem de todos os demais e o tornam único e insubstituível.
         A afirmação da anterioridade ou do primado da existência em relação à essência, entendida aqui como existência humana, implica uma série de teses que distinguem o existencialismo das filosofias essencialistas. O primado da liberdade em relação ao ser, subjetividade, em relação à objetividade, o dualismo, o voluntarismo, o aticismo, o personalismo, o antropologismo, seriam algumas das características desse tipo ou modalidade de filosofia. O existencialismo não é nem uma teologia, ou filosofia de Deus, nem uma cosmologia, ou filosofia do mundo, da natureza. O existencialismo é, fundamentalmente, uma antropologia, quer dizer, uma reflexão filosófica sobre o homem, ou melhor, sobre o ser do homem enquanto existente.
            Na perspectiva antropológica, surgem os temas ou problemas característicos do pensamento existencial. A finitude, a contingência e a fragilidade da existência humana; a alienação, a solidão e a comunicação, o segredo, o nada, o tédio, a náusea, a angústia e o desespero; a preocupação, o engajamento e o risco, são alguns dos temas principais de que se têm ocupado os representantes do existencialismo. Para essa filosofia, a angústia e o desespero, por exemplo, deixam de ser sintomas mórbidos, objetos da psicopatologia, para se tornarem categorias ontológicas que propiciam acesso á essência da condição humana e do próprio ser.[13]
-ANALISE PSICOLÓGICO DAS PERSONAGENS .
            Neste conto de Machado de Assis, nos é apresentado, Rita uma mulher insegura, que busca em um relacionamento extraconjugal uma a forma de preencher um grande vazio de sua vida, mas também, Rita é caracterizada como ingênua devido à fé que deposita nas palavras da cartomante, entretanto, ao ter sua idade determinada, a personagem torna-se uma alusão à “mulher de trinta anos”, de Balzac, para o qual essa idade representa a leviandade e o adultério feminino – relação que já contradiz uma aparente inocência. Rita é dona de suas escolhas, mas ao mesmo tempo sofre a angústia da insegurança dos sentimentos de seu amante.
          Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
— Errou! interrompeu Camilo, rindo.
— Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...
         Rita é casada com Vilela, um homem mais novo que ela em idade, porém, mais velho em atitudes. Rita vive uma vida sem graça sem alegrias, extremamente alienada, pois vive a constantes busca de si mesma. Mantém-se fiel a Vilela por comodismo, pois ele lhe proporciona o status social que a época exige, o conforto de um homem respeitado pela sociedade. Nota-se isso quando o autor a descreve como “uma dama formosa e tonta”. Mas Rita sente- se sozinha, vive a solidão do ser Humano.
            Quando o marido resolve abandonar a província e retornar ao Rio de Janeiro, sua cidade de origem, Rita conhece Camilo, e com ele o frescor da juventude. Camilo lhe é companheiro, confidente e preenche nela vazio que sente, ele é a alegria, ela tem nele sua tábua de salvação emocional.
             Porém, quando Camilo se afasta convenientemente da convivência do casal, Rita entra em desespero, acredita, pensa que esta perdendo Camilo, que ele não a ama mais e que nada em seu mundo parece ter sentido, e nesta angústia Rita busca uma Cartomante para alivia-la desta dor, ela necessita de uma certeza do sentimento de Camilo por ela e que não a abandonará. ( consciência da solidão, o medo da separação)
Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança,..
         Observa-se que Rita é uma personagem que não sabe lidar com a possibilidade de um rompimento, e isso para ela torna-se angustiante, (na angústia, todas as coisas, todas as entidades em que o homem estava mergulhado se afastam, afundando em um "nada e em nenhum lugar") todas as certezas que Rita tem a respeito do amor de Camilo, já não existem mais, ela é capaz de qualquer coisa para não se sentir sozinha e abandonada. A ponto de buscar em uma cartomante a segurança e a confiança que não seria abandonada, e isso nos demonstra a fragilidade da existência humana.
            O narrador nos apresenta Camilo como um moço ingênuo, sem experiência, nem intuição, uma pessoa descrente e sem maiores aspirações para a vida.
Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.

         Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, (Aqui vemos a maneira como Camilo escolhe estar-no-mundo) até que a mãe lhe arranjou um emprego público.
            Camilo deixa-se seduzir por Rita e mesmo sabendo que ela é a esposa de seu melhor amigo não vence a batalha do desejo, pois assim como Rita, ele sente o peso da solidão, principalmente após a morte de sua mãe, fatos estes explícitos nos seguintes fragmentos do texto:
Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura, mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! “,” Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.
         Quando tudo parecia bem para o casal, o mundo resolve interferir, a existência de uma carta anônima, que faz com que tudo mude, ou seja, “o mundo age sobre o homem ao mesmo tempo em que o homem age sobre o mundo”, e a partir deste momento tudo gera entorno da possibilidade de Vilela descobrir o relacionamento dos dois.
             Neste ponto Camilo e Rita passam a viver sobre constantes incertezas, a preocupação de serem descobertos e o desespero pelo que iria acontecer a ambos se o romance deles fosse revelado.
            Camilo escolhe, prudentemente, afastar-se da convivência do casal, pois tem medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este nota suas as ausências, e Camilo responde que o motivo das mesmas, é uma paixão frívola de rapaz. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente.
            Observa-se que Camilo usa a liberdade de escolha, ou o livre arbítrio para decidir afastar-se ou não do casal, porém essa liberdade, segundo Kierkegaard, gera no homem a angústia que pode levá-lo, de várias formas, ao desespero. Então, cada decisão é um risco, o que deixa a pessoa mergulhada na incerteza, pressionada por uma decisão que se torna angustiante.
         “Vem já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.”, Ao receber este bilhete de Vilela, Camilo viu-se logo perante um drama. Sua mente confusa fervilhava em busca de uma explicação para aquela mensagem, esquecendo-se de tudo a sua volta, e não demorou a deduzir que seu romance com Rita havia sido descoberto. Esta ideia cada vez mais lhe parecia verossímil. De imediato buscava motivos para a desconfiança do amigo. “ Onde teria vacilado? Deve ter sido a suspensão das constantes visitas que fazia àquela casa. Pensou.”
         Mesmo assustado, saiu ao encontro de Vilela. Num misto de coragem e desespero, no caminho que o levaria à morte. Dá-se neste momento o entendimento de suas ações e as consequências das mesmas.        “Segundo Heidegger no entendimento: as coisas do futuro, onde o projeto que define o homem encontrará a morte, são as coisas não garantidas, que lhe são devolvidas para gerar nele o sentimento de que não está em casa neste mundo, mesmo estando entre as coisas que lhe são mais familiares”.[14]
         Devido a um obstáculo no trânsito, Camilo viu-se diante da casa da Cartomante a quem Rita visitava e de quem lhe falara. A visão desta casa gera dentro de Camilo uma luta entre suas convicções, cética que era, e o que precisava acreditar.
            Observa-se que o ceticismo de Camilo fica claro no seguinte trecho do texto:
Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê?
         Camilo escolhe consultar a Cartomante. ... “Nunca desejou tanto crer na lição das cartas”. Inevitavelmente lembrou-se das palavras de sua mãe com os seus casos extraordinários e que afirmava que havia mistérios na vida. Pensou que não custaria nada tentar. Durante a “consulta”, mostrou confiança na mulher que o acalmou e o fazia esquecer-se do perigo que o esperava. Camilo acreditou nas palavras daquela mulher e ficou deslumbrado com as boas novas. Ao sair, tudo lhe parecia melhor,... “Chegou a rir dos seus receios”.... Esquecendo-se até das evidências das cartas anônimas que havia recebido.
            Nota-se que Camilo projeta na figura da cartomante uma solução divina que pode lhe dizer o futuro e  garantir que nada de mau irá lhe acontecer, como se fosse possível mudar o destino.
         “Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?” Foram as últimas palavras de um homem que preferiu trair suas convicções para acreditar na única esperança que se apresentou perante o perigo, à cartomante.  Após pronunciar estas palavras expeliu um grito de desespero e terror, ao ver sua amada morta e abruptamente ser também assassinado por Vilela.
         Não existe nenhuma natureza humana fixa a que o homem deva respeitar. O homem está totalmente livre é o único responsável pelo que faz de si mesmo. O homem é livre. Não pode desculpar sua ação dizendo que está forçado por circunstâncias ou movido pela paixão ou determinado de alguma maneira a fazer o que ele faz. Portanto, Camilo tinha consciência de suas responsabilidades, em trair o melhor amigo, apesar de demonstrar, mesmo que momentaneamente, acreditar que aquele poderia ser um convite amigável. No intimo, ele sabia da intenção de Vilela, pois eles viviam em uma sociedade machista, onde a vingança de um marido traído era uma reação esperada.
             Por fim, temos Vilela, um homem mais rígido, que estudara muito, para tornara-se magistrado, casado com uma mulher de trinta anos formosa e tonta. Apesar de um ano mais jovem que a esposa seu porte grave fazia-o parecer mais velho que a mulher.
         Em meados de 1869, abandona a magistratura e abre uma banca de advogado no Rio de Janeiro. Reencontra Camilo que era seu amigo de infância e que facilita muito sua vida quando  retorna da província.
            Vilela o estima muito, tanto que quando sua mãe morre, ele, Vilela toma conta de tudo, do enterro, dos sufrágios e do inventário, para o amigo.
            No aniversário de Camilo, Vilela lhe presenteia com uma rica bengala, um sinal de grande estima.
            Camilo frequenta sua casa com regularidade, mas derrepente estas visitas escasseiam, e Vilela estranha, chegando a perguntar ao amigo o motivo.
            Presume-se que Vilela tenha tomado ciência da traição do amigo, pois suas atitudes se modificam a ponto de Rita notar.
 ...“mas daí a algum tempo Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado.”
         Tempo depois escreve a Camilo um bilhete: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora." E este o atende.
 E quando Camilo chegou à casa de Vilela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.
— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?
Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensanguentada.
Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.”
         Observa-se que Vilela era um homem extremamente sério e fica completamente transtornado e decepcionado com Camilo e Rita, tornando-se alienado a tudo, vivendo o seu dilema pessoal, “o ser ou não ser”, necessitando de si mesmo, e os “por quês” da traição, fazem com que ele se sinta perdido e sem ação, a ponto de surgir uma angústia tão grande que o desperta desta alienação e o impulsiona a ser dono da situação e tomar uma decisão.
            A ”angústia” de estar sendo traído, duas vezes, pelo amigo e pela esposa, leva-o a cometer um crime passional[15], onde, deixou-se guiar pelas emoções em detrimento da razão, demonstrando assim uma subjetividade pura. Pelo desespero de ter sido traído busca na morte dos dois, o alivio para sua dor existencial e depara-se com a contingência e a fragilidade da existência humana.
            No que tange a Cartomante, observamos que ela é uma mulher esperta, que sabe “ler as angústias do ser humano” e adequar suas respostas como forma de agradar seus clientes. Pois com apenas uma ou duas afirmações, deduz o que deve dizer.
Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
         Utiliza-se do misticismo, do mistério que envolve o sobrenatural como forma de despertar mais ainda a curiosidade de seus consulentes.
... Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para o telhado dos fundos. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que destruía o prestígio. A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo.
         Utiliza-se se um discurso direto que deixa maravilhado seus clientes, ao mesmo tempo, em que os ilude com uma falsa vidência. Praticamente, quase tudo que ela diz, está escrito nas ações e, nas expressões faciais de seus consulentes. Eles demonstram a ansiedade e apreensão, e a isso, ela como uma mulher vivida e experiente sabe interpretar.
            No caso de Camilo, ele próprio indica a ela o caminho que deve seguir para suas adivinhações.
“ Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.
— E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma cousa ou não...
— A mim e a ela, explicou vivamente ele.”

         Para finalizar ela fala exatamente o que o Camilo quer ouvir e ele corroído pela culpa e na busca de alguma esperança, abre mão de toda sua incredulidade aceita como uma tábua de salvação.
Camilo tinha os olhos nela curioso e ansioso.
— As cartas dizem-me...
Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável muita cautela: ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita. . . Camilo estava deslumbrado.
         Espertamente, a Cartomante não fala o preço da consulta apenas dá sinais para que o consulente faça seu pagamento, e este bastante satisfeito é bem generoso. Ela por sua vez fica satisfeita por ter iludido mais um, mas seu sustento esta garantido.
- ANÁLISE FINAL

            No Conto “A Cartomante” de Machado de Assis, podemos observar através das atitudes dos personagens o quanto o abandono do ser humano esta presente. O medo da solidão, as angústias e incertezas fazem com que os personagens busquem em uma Cartomante respostas que os acalmem e que os tranquilizem, afastando assim a sensação de angústia, que faz parte da condição humana.
            Tanto Rita, como Camilo, arriscam-se em várias situações onde eles buscam estar juntos e afastar de suas vidas a sensação de solidão e abandono. Solidão esta que a própria existência humana lhes impõe.
            Camilo tem consciência do erro que é ter se apaixonado por Rita, pois ela é a esposa de seu melhor amigo, mas mesmo assim ele opta - faz sua escolha- por estar com ela. Ele troca a serenidade da amizade de Vilela, pelo fervor do amor de Rita.
            Camilo e Rita sabem das consequências de seus atos, se Vilela viesse a descobrir a traição.
             A falta de sentido, a liberdade consequente da indeterminação, a ameaça permanente de sofrimento que da origem à ansiedade, faz com que Camilo tome algumas atitudes, e entre elas, o afastamento da casa de Vilela após receber a primeira carta anônima.
            Camilo tem medo (consciência de morte) [16] das consequências de seus atos, portanto ele crê que se afastando da casa do amigo e consequentemente de Rita, afastará a insegurança, e ansiedade que o está afligindo.
            Porém Rita, cega de paixão, alienada, vivendo seus próprios dilemas, não compreende essa atitude de cautela de Camilo e cria em sua mente fantasias nas quais ele a estaria traindo ou deixando de amá-la. (consciência de solidão) [17]
         Mais uma vez notamos a influencia da angústia nas atitudes das personagens.
 A descrença em si mesma e o medo do abandono faz com que Rita busque uma solução mágica para tirá-la da angústia, para isso ela escolhe ir a uma cartomante. Aqui se observa que há uma ênfase na liberdade de escolha dos indivíduos, sua propriedade humana mais importante da qual não se pode fugir.
 Rita torna-se completamente descuidada a ponto de procurar uma cartomante, que morava perto de uma conhecida sua e de Vilela, para tentar lhe revelar o motivo do afastamento de Camilo, sendo que estes motivos estavam bastante claros, mas ela cega de amor e totalmente insegura não os via.
            Por sua vez, a Cartomante diz a Rita apenas o que ela quer saber. Fazendo um papel de dona da verdade e deixando-a tranquila e satisfeita. Rita busca a sua verdade e não as verdades dos fatos.
            A angústia se faz presente em quase todo o conto, pois praticamente todas as personagens sofrem incertezas que as obrigam a tomar atitudes.  Tais atitudes são tomadas com a utilização do livre arbítrio, direito de escolha de cada um. Todas as ações são resultados das escolhas, e todas as personagens sofrem as consequências de suas escolhas.
            Notamos que desde o inicio, todas as escolhas de Rita, de Camilo e até de Vilela, vão encaminhando a trama para um final trágico. Por exemplo, quando Camilo escolhe ter um caso amoroso com Rita; quando Camilo escolhe afasta-se da casa de Vilela; quando Rita resolve consultar a cartomante correndo o risco de Vilela ficar sabendo; Quando Camilo escolhe ir ter com Vilela após receber seu bilhete; até finalmente, Vilela escolher matar o casal. Todas estas escolhas foram realizadas, após muito pensar, em momentos de angústia, foi utilizado o livre arbítrio da cada um, logo as consequências destes atos já eram previsto, pois o homem cria seu próprio destino baseado nas suas próprias escolhas, conforme nos diz Satre:
       Não existe nenhum Deus que tenha planejado o homem e, portanto não existe nenhuma natureza humana fixa a que o homem deva respeitar. O homem está totalmente livre é o único responsável pelo que faz de si mesmo. [18]
            Um aspecto importante que devemos salientar, é que a sensação, (grifamos sensação como sentimento), de tranquilidade que Camilo sente quando sai da cartomante, – (e aqui vemos sob a ótica da fenomenologia - o sentir subjetivo)- é considerada mais importante para ele do que a verdade "objetiva" do que iria acontecer, ou seja, a possibilidade de sua morte. Fazendo com que ele vá tranquilo ao encontro com Vilela.
         Camilo achou o tílburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo. Tudo lhe parecia agora melhor, as outras cousas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris;...
         A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável.
            Camilo quando jovem perde sua crença em tudo que envolve religião, até em Deus, e começa a questionar tudo, até a si mesmo. Porém, quando pressente a morte, o final de sua existência, recorre à cartomante como forma de buscar uma salvação milagrosa. Ele tenta negar que os fatos, aparentemente lógicos e que são resultado de seus próprios atos. Crê que está apenas imaginando que irá morrer.  Nega os indícios. Não quer crer em sua intuição. Prefere recorrer à crendice contradizendo assim, sua própria descrença em tudo.
          É bastante obvio, por suas atitudes, que se Vilela descobriu a traição do casal, não haveria outra saída a não ser lavar sua honra com sangue, vingar-se da traição. Porém, Camilo necessita acreditar que isto não irá acontecer, busca na cartomante uma ilusão que o faça sofrer menos, que arranque de seu interior a angústia da incerteza de seu destino. (consciência da morte)[19] Ele quer crer que sua intuição esta errada, e que irá sobreviver ao chamado de Vilela. Nota-se que ao mesmo tempo Camilo tenta subestimar Vilela, pois se acreditar que Vilela não descobriu sua traição, nada irá lhe acontecer. Camilo trava uma batalha entre o óbvio e a esperança da ilusão.
            O homem tem direito a fazer suas escolhas, mas ele é responsável pelas consequências das mesmas. Muitas destas escolhas são feitas em momentos de angústia, levando o homem a não medir as consequências delas. Ele, o homem, está em busca da sua verdade.
            A solidão própria do Ser humano, ou melhor, a solidão da existência humana, faz com o homem tenha em qualquer coisa, até mesmo em um caso extraconjugal, (Rita e Camilo) uma justificativa  para estar vivo e consequentemente tomar atitudes, que muitas vezes lhe serão cobradas. O homem é dono de si e de suas próprias escolhas.
            O Homem sabe que a "existência" é uma suspensão temporária entre o nascimento e a morte. Procura uma finalidade para essa existência, mesmo sabendo que o homem se faz em sua própria existência e que não existem regras de como o homem deva existir, ele simplesmente existe.
            A falta de sentido, a liberdade consequente da indeterminação, a ameaça permanente de sofrimento, dão origem à ansiedade, à descrença em si mesmo e ao desespero, levando o homem o a fazer escolhas. Há uma ênfase na liberdade de escolha dos indivíduos, livre arbítrio, como uma de sua propriedade humana mais importante, da qual ele, homem, não poderá fugir.
            Na atualidade cada vez mais o homem busca compreender os Por quês, O Ser ou não Ser, para isso, busca em religiões, em crenças, algo que lhes de sentido. Cada vez a solidão torna-se mais e mais presente. As dúvidas fazem com que o homem muitas vezes esqueça o Eu e busque refugio no “eles”,  criando uma tendência da alienação de si mesmo que o leva à se conhecer apenas através da comparação que faz de si mesmo com os outros indivíduos.
            O homem sofre. Busca nesta alienação uma forma de sofrer menos, mas infelizmente a própria alienação faz com que ele sofra mais. Ele é levado a um estado de angustia tão grande que se vê obrigado a tomar decisões. Tomar em suas mãos as rédeas de sua existência. Torna-se dono de si, e assim ser um agente no mundo, assumindo as responsabilidades de suas escolhas, os ônus e bônus das mesmas, tendo apenas uma única certeza, que a morte é certa e que chegara para todo mundo um dia.
            O homem cada vez mais tem consciência de sua condição Humana, das suas incertezas e da busca de sua verdade, (uma verdade vivida) da singularidade de ser humano. O homem pensa. E pensar é doloroso. É uma forma de provocar a angústia. O homem é livre em sua vida para optar e escolher. No entanto não há opções sem angustia.[20] O Homem ao escolher deixa de lado outras coisas sem ter certeza de que a escolha é a melhor. Quando o Homem escolhe, ele se escolhe, pois a opção é feita em função de uma opção interior, pela qual julga se realizar. A escolha não é arbitraria, ela é motivada pela busca da verdade, a verdade vital, a verdade pela qual o homem quer viver e morrer.
            Esta verdade é a expressão do modo de existir autentico. O existir autentico supões compromissos e riscos. Na vida concreta busca-se a verdade vivida, a verdade que expressa o comportamento cotidiano do homem. Por isso a verdade é o fruto da ação e não de um pensamento teórico.
          O Homem é um criador de signos [21], de representações, os constrói por ser significante em sua natureza e é significante por ser a superação de tudo que é simplesmente dado. Compreender não é um modo de comportamento, mas o modo de ser. E Ser é existir. “Se penso, logo existo.”[22] Portanto, Ser é pensar.


- REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II. Disponível em http://www.baixarlivrosgratis.net/a-cartomante-de-machado-de-assis/ [ consultado em 30/05/2012]
FERREIRA, Virgílio. Espaço do Invisível - 1976- Edição/reimpressão: 1991-Editor: Bertrand Editora.
FIGUEIREDO, L. Cláudio. Matrizes do Pensamento Psicológico. São Paulo, Vozes, 1996. 17ª Edição.
LIMA, Beatriz Furtado. Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico-existencial.Disponível em http://www.4shared.com/office/ ./LIMA_ Beatriz_Furtado_Alguns_a.html  [consultado em 05/06/2012]





ALIENAÇÃO Disponível em http://www.dicio.com.br/alienacao/ [consultado em 06/06/2012]
ANGUSTIA Disponível em http://www.dicio.com.br/angustia/ [consultado em 06/06/2012 ]
CRIME PASSIONAL Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Crime_passional [ consultado em  06/06/2012]
MARTIN HEIDEGGER. Disponível em http://www.cobra .pages.nom.br/fcp-heidegger.html [consultado em 05/06/2012]

[1] 1-Trecho retirado do texto   Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico-existenciais – de Beatriz Furtado Lima
[2] pt.wikipedia.org/wiki/Realismo_no_Brasil
[3] O positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada através de métodos científicos válidos. Os positivistas não consideram os conhecimentos ligados às crenças, superstição ou qualquer outro que não possa ser comprovado cientificamente.  Para eles, o progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos. http://www.suapesquisa.com/o_que_e/positivismo.htm
[4] Método de Taine consistia em fazer história e compreender o homem à luz de três fatores determinantes: meio ambiente, raça, momento histórico. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hippolyte_Taine
[5] No século XIX surgiram os primeiros textos filosóficos em que se desenvolvem conceitos e ideias socialistas e na sua correspondente literária, o movimento realista. Proudhon foi um escritor político francês, doutrinário do socialismo. Entre os escritores socialistas do século XIX, cabe a ele a originalidade de ser um escritor formado nas leituras de Hegel e da filosofia dialética. Mais do que um político e economista, Proudhon foi um moralista: com a paixão da justiça um tanto abstrata, fundada no respeito intransigente do indivíduo. Seguindo esta linha de raciocínio podemos constatar três exigências fulcrais: 1ª- O direito do indivíduo ao trabalho 2ª- A igualdade das inteligências e o nivelamento da condição social do indivíduo. 3ª- O aniquilamento do Estado por parte do indivíduo como consequência lógica e necessária da revolução. http://www.citi.pt/cultura/temas/socialismo_utopico.html
[6] Socialismo científico ou Socialismo marxista foi criado por Karl Marx (1818 - 1883) e Friedrich Engels (1820 - 1895), quando estes desenvolveram a teoria socialista, partindo da análise crítica e científica do próprio capitalismo, em reação contrária as ideias espiritualistas, românticas, superficiais e ingênuas dos utópicos http://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo_cient%C3%ADfico
[7] http://www.cobra.pages.nom.br/ftm-existencial.htm
[8] http://www.cobra.pages.nom.br/fcp-heidegger.html
[9] Quando a consciência torna-se desconhecida a si própria ou a sua própria essência. - http://www.dicio.com.br/alienacao/
[10] Experiência metafísica, para os filósofos existencialistas, através da qual o homem toma consciência do ser. (Sin.: agonia, ansiedade, apreensão, aperto.)  http://www.dicio.com.br/angustia/
[11] Texto baseado no site http://www.cobra.pages.nom.br/fcp-heidegger.html
[12]Texto baseado no site  http://www.cobra.pages.nom.br/ftm-existencial.htm
[13] Texto baseado no livro Espaço do Invisível de Virgílio Ferreira- 1976- Edição/reimpressão: 1991-Editor: Bertrand Editora
[14]  http://www.cobra.pages.nom.br/fcp-heidegger.html
[15] Crime passional é de um crime cometido por paixão. -http://pt.wikipedia.org/wiki/Crime_passional
[16] Texto Introdução à psicologia existência – José A. Carvalho Teixeira-Análise psicológica(2006), 3 (XXVI) 292
[17] Texto Introdução à psicologia existência – José A. Carvalho Teixeira-Análise psicológica(2006), 3 (XXVI) 292
[18] Texto retirado do site  http://www.cobra.pages.nom.br/ftm-existencial.htm
[19] Texto Introdução à psicologia existência – José A. Carvalho Teixeira-Análise psicológica(2006), 3 (XXVI) 292
[20] Rita Josélia de capela pinheiro- O Homem, a Angustia e sua Existência. http://wwexistencialismo.org.br/jornalexistencial/rita.htm
[21]Luiz  Cláudio . Figueredo  Matrizes do Pensamento Psicológico (p.198)
[22] René Descartes (1596 - 1650)

Revisado por Editor do Webartigos.com


Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/analise-critica-do-conto-a-cartomante-a-partir-do-vies-teorico-fenomenologico-existencial/103951/#ixzz4BDkpljNP

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