Numa edição de aniversário como a desta semana de ÉPOCA, o certo seria abrir uma janela rósea para o futuro. Mas o momento pede algo além: que se renove totalmente o ar. Vamos apelar aos jovens de 18 anos por uma refundação da República. Porque não é só minha a vergonha indignada com mais esse trem da alegria nos Três Poderes, encaminhado pela presidente afastada Dilma Rousseff e aprovado com salvas de palmas pelo presidente interino Michel Temer.
Com que moral se pede sacrifício a um Brasil com quase 12 milhões de desempregados, se o governo decide distribuir aumentos de 16,5% a 41,47% para 16 categorias de servidores públicos? Como é possível, no atual estado de emergência e calamidade da economia, levantar o teto salarial de qualquer categoria? Num país sem chão, não dá para erguer o teto. É insustentável.
Em nome do espírito público – algo ausente nos Três Poderes –, salários altos de servidores deveriam ser congelados. Ponto. Até segunda ordem. Até se rearrumar a casa, estancar a sangria de recursos públicos e comprometer o Estado com um novo conceito de nação e responsabilidade.
“Esses recursos estão previstos no Orçamento, os seus percentuais são razoáveis e esse gasto será feito ao longo dos próximos três anos. Fica resolvido em todo meu governo”, afirma Temer.
Não fica resolvido, não, presidente. O senhor é que pensa. Igualzinho a Dilma. O Orçamento sofrerá um impacto, até 2019, de estimados R$ 64 bilhões. Esse Orçamento pode até conquistar a paz provisória entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, mas abre uma guerra permanente com o eleitor. O gasto com aumentos, só neste ano, para os Três Poderes é de R$ 8,04 bilhões. Lembremos que ainda pagaremos a todos eles os retroativos de 2016.
Os percentuais não são razoáveis, Temer. Porque tornam o servidor público uma casta ainda mais privilegiada num país onde o consumo diminui há cinco trimestres seguidos; o investimento está em queda há 30 meses; e o PIB também continua a cair – só o ritmo da queda foi reduzido.
Primeiro, o presidente interino havia negociado reajustes apenas para o Executivo, para educadores e para os militares. Já estava errado. O Congresso embarcou de última hora no trem da alegria e, segundo um assessor de Temer, “não deu para segurar” a aprovação de novos reajustes. Ah, tá. Temer quis criar “um fato positivo” para anular os desgastes do início de sua interinidade. Está feliz com o “exuberante” apoio de sua base parlamentar. Conta os votos a seu favor como se tivesse voltado a ser menino, um Michelzinho.
O trem da vergonha já tinha sido negociado por Dilma Rousseff, para tentar salvar seu governo. Agora, foi aprovado por Michel Temer, para tentar salvar seu governo. A população fica no “salve-se quem puder”. O filme pornô está passando no telão, não importa se o protagonista é de esquerda, de direita ou de centro, porque a ideologia do Poder é a do conchavo.
Há muitos anos escrevo aqui sobre esse “complô” dos Três Poderes, um dando a mão ao outro, com o Congresso aprovando aumentos indecentes para os funcionários públicos federais, que ficam caladinhos e felizes de pança cheia, estabilidade garantida e aposentadoria integral, enquanto a massa esperneia ou se desespera.
Os aumentos foram aprovados pela Câmara, quase na surdina, sem embates entre os partidos. Não são ilegais, mas são imorais. E o impacto estimado ainda não leva em conta o efeito dominó de reajustes de outras categorias. O salário inicial dos auditores fiscais da Receita Federal subirá de R$ 15.700 para R$ 21 mil. Inicial. Salário inicial. A Câmara também aprovou a criação de 14.419 cargos federais! Ainda mais cabides?
Houve duas pressões consideráveis sobre Temer. Do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Cada ministro do STF passará a ganhar R$ 39.293,32 por mês, quase R$ 6 mil a mais. Eu me pergunto que país é este. Deve ser o país das maravilhas da Alice, onde os espelhos distorcem tudo, incluindo a imagem que os juízes fazem deles mesmos.
O mais inacreditável é que os líderes do PT e do PMDB disputam entre si o “mérito”. O líder da minoria, deputado José Guimarães (PT-CE), se gaba de que os aumentos foram negociados por Dilma. O líder da maioria na Câmara, Baleia Rossi (PMDB-SP), atribui a vitória a Temer. “Os funcionários públicos estavam sendo enrolados e, agora, terão os aumentos aprovados.”
O Brasil dos novos líderes, que hoje têm 18 anos e toda a vida pela frente, não se conformará com um governo “menos pior”, chantageado por hienas engravatadas que se locupletam para defender seus interesses privados e suas mordomias. Esperamos o verdadeiro ajuste de contas.
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