É muita falta de percepção dizer que os cálculos que foram feitos seriam suficientes. Se fossem, a ciclovia não se desmanchava
O prefeito Eduardo Paes pode ter muitos defeitos, mas, diferentemente da maioria das autoridades brasileiras, ele nunca foge dos locais de tragédia. A presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, é mestra em só aparecer três dias depois e, mesmo assim, sobrevoando a área. Dilma não é daquelas que metem o pé na lama. Eduardo Paes está sempre lá. Desabou um prédio no Centro da cidade? Ele aparece no local do crime em menos de meia hora. Uma enchente ameaça a vila à beira do rio? Ele está lá consolando os moradores. Politicamente, o comportamento do prefeito só lhe traz vantagens. Para começar, o eleitor gosta de ter a impressão de que o prefeito se preocupa com ele. Em segundo lugar, estando no local, junto com a imprensa, ele pode sempre transmitir estar sofrendo a mesma indignação que o resto da cidade. E dá até para acreditar que ele vai punir o culpado, seja ele um engenheiro, um síndico de edifício, um dono de empreiteira ou até mesmo São Pedro. Ninguém escapa à sede de justiça do prefeito. De quebra, ele deixa a sugestão de que não tem nada a ver com a tragédia. Se tivesse, não estaria tão indignado.
Mas na quinta-feira, o dia da tragédia da ciclovia, Eduardo Paes não estava aqui. O prefeito estava num voo para Atenas, onde participaria de mais uma promoção daquele que ele imaginava que seria o grande momento de sua administração, as Olimpíadas do Rio. Sobrou para seu golden boy, Pedro Paulo, o secretário que sofre da síndrome de Klute, o passado condena. Duas horas depois de a ciclovia se desmanchar, Pedro Paulo já estava no cenário da tragédia. Para os padrões do prefeito, dá para dizer que chegou atrasado. Mas estava lá. E não poderia haver ambiente pior para quem pretende ser o próximo prefeito da cidade. Eduardo Paes tenta vender a imagem de seu pupilo como a de um grande gestor. Quis o destino que Pedro Paulo estivesse na linha de frente das explicações para o maior exemplo da incapacidade de gestão dessa administração. A ciclovia caiu, no mínimo, porque a Prefeitura não cumpriu o dever de fiscalizar sua construção.
Para piorar sua situação, que, convenhamos, já não é das melhores, Pedro Paulo não mostrou a indignação que se espera das autoridades que têm coragem de se expor em locais de tragédia. Começou reclamando da onda, como se a natureza fosse culpada pela imperícia da engenharia da obra. Insistiu em chamar o que ocorreu de “acidente”, como se tivesse sido por acaso. Disse que não iria “trabalhar com especulações”. Seria “prematuro”. Acrescentou: “A princípio, os cálculos que foram feitos seriam suficientes, dado o histórico das ondas”. Olha a onda levando a culpa outra vez. E encerrou com pompa: “Só vamos liberar a ciclovia quando houver absoluta segurança para o morador”.
O secretário de Coordenação do Governo vai me desculpar, mas só se for para o morador da China, que está bem longe daqui. Para o morador do Rio, a prefeitura já tinha liberado a ciclovia há três meses e, certamente, sem “absoluta segurança”. Além do mais, é muita falta de percepção do que está acontecendo dizer que os cálculos que foram feitos seriam suficientes. Se fossem, a ciclovia não se desmanchava, Pedro Bó. Na verdade, a única certeza que se tem até agora é a de que os cálculos não foram suficientes.
Sou da geração que ficou traumatizada com a queda do Elevado Paulo de Frontin. Nunca imaginei que viveria para ver outra tragédia parecida. Houve menos mortos agora, é verdade. Mas a irresponsabilidade é a mesma. Conheço muita gente que se negava a usar o elevado depois de sua inauguração. Era uma gente que tinha medo, achava que ele podia cair outra vez. A Prefeitura anuncia agora que interromperá o trânsito na ciclovia quando houver mar alto. Não sei, não. Quem vai se arriscar? O prefeito e o golden boy vão ter trabalho para fazer a população voltar a acreditar na segurança das obras que deveriam transformar a cidade. Dá para acreditar que foram todos mais cautelosos na construção da duplicação do Elevado do Joá?
Tem horas que não adianta aparecer no local da tragédia. A não ser que seja para admitir a culpa.
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Eu sei que o governador em exercício, Francisco Dornelles, não tem nada a ver com o peixe, mas... curtir o feriado à beira da piscina do Country Club, como mostrou o blog do Ancelmo, enquanto a cidade se chocava com o que aconteceu na Niemeyer, é muita alienação. Aliás, enquanto não pagar em dia seus funcionários, o governador em exercício deveria ter vergonha de frequentar o Country.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/a-tragedia-a-culpa-19153170#ixzz47AKyXlPZ
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