Calma, prezado leitor, nem você leu
errado nem eu pirei de vez. Este artigo pretende isso mesmo: dar novos motivos
para que os moços e moças do nosso Brasil continuem lendo apenas o suficiente
para não bombar na escola.
E
continuem vendo a leitura como algo completamente estapafúrdio, irrelevante,
anacrônico, e permaneçam habitando o universo ágrafo dos hedonistas incensados
nos reality shows.
Epa, acho que exagerei. Afinal, quem
não lê muito dificilmente vai conseguir compreender esta última frase.
Desculpem aí, manos: eu quis dizer que os carinhas, hoje, precisam de
dicionário pra entender gibi da Mônica, na onda dos sarados e popozudas que
vêem na telinha, e que vou dar uma força pra essa parada ai, porra.
Eu explico mais ainda: é que,
aproveitando o gancho do Salão do Livro Infanto-Juvenil, realizado em novembro
de 2004 no Parque do Ibirapuera, Sampa, pensei em escrever sobre a importância
da leitura. Algo leve mas suficiente para despertar em meia dúzia de jovens o
gosto pela leitura. ( De quê? De tudo ? De jornais a livros de filosofia; de
bulas de remédio a conselhos religiosos; de revistas a tratados de física
quântica;de autores clássicos a paulos coelhos. )
Daí aconteceram três coisas que me
fizeram mudar de rumo e de idéia.
Primeiro eu li que fizeram, alguns
meses atrás, um teste de leitura com estudantes do ensino fundamental de vários
países. Era para avaliar se eles entendiam de verdade o que estavam lendo.
Adivinhem quem tirou o último lugar, atrás até mesmo de paizinhos miseráveis e
perdidos no mapa-múndi? Acertou, bródi: o nosso Brasil!
Logo depois, li uma notícia boa que,
na verdade, é ruim: o (des) governo de São Paulo anuncia maior número de
crianças na escola. Mas adotou a política da não-reprovação. Traduzindo:
neguinho passa de ano, sim, mas continua tecninamente analfabeto. Ler sem
raciocinar é como preencher um cheque sem saber quanto se tem no banco.
E por último li, em pesquisa publicada
recentemente nos jornais, que para 56% dos brasileiros entre 18 e 25 anos
comprar mais significa mais felicidade, pouco se importando com problemas
ambientais e sociais do consumo desenfreado. Ou seja, o jovem brasileirinho
gosta de comprar muitas latinhas de cerveja, toma todas e joga todas nas ruas
ou nas estradas, sem remorso.
Viram como ler atrapalha?
A gente fica sabendo de fatos que se
não soubesse teria mais tempo pra curtir o próprio umbigo numa boa, sem ficar
indignado e preocupado com a situação atual de boa parte de nossa juventude.
E também faz o tico e o teço ( nossos
dois neurônios que ainda funcionam no cérebro, já que se dividirmos o quociente
de inteligência nacional pelo numero de habitantes não deve sobrar mais que
isso per capita ) malhar e suar, em vez de ficarmos admirando o crescimento do
bumbum e do muque no espelho das academias de musculação.
Por isso, num momento de desalento,
decidi que, de agora em diante como escritor e professor, nunca mais vou
recomendar a ninguém que leia mais, que abra livros para abrir a cabeça.
A realidade é brutal e desmentiria em
seguida qualquer motivo que eu desse para um jovem tupiniquim trocar a
alienação pela leitura.
Eu reconheço: a maioria está certa em
não ler.
E tem, no mínimo, cinco razões
poderosas, maiores e melhores que meus frágeis argumentos contrários:
1. Se ler, vai querer participar como
cidadão dos destinos do país. Não vale a pena o esforço. Como disse o Lula (
que não teve muita escola, mas sempre leu pra caramba), a juventude não gosta
de política, mas os políticos adoram. Por isso é que eles mandam e desmandam há
séculos.
2. Se ler, vai saber que estão
mentindo e matando montes de jovens todos os dias em todos os lugares do Brasil
impunemente;principalmente porque esses jovens não percebem nem têm como saber
( a não ser lendo ) a tremenda cilada que é acreditar que bacana é mentir e
matar também.
3. Se ler, vai acordar um dia e se
perguntar que diabo é isso que anda acontecendo neste lugar, onde só ladrões,
corruptos, prostitutas e ignorantes aparecem na mídia.
4. Se ler, vai ficar mais humano e,
horror dos horrores, é até capaz de sentir vontade de se engajar num trabalho
comunitário, voluntário e parar de ser egoísta.
5. Se ler, vai comparar opiniões,
acontecimentos, impressões e emoções e acabar descobrindo que sua vida andava
meio torta, meio gado feliz.
O espaço está acabando e me deu
vontade de lembrar que ninguém – nem mesmo alguém que não vê utilidade na
leitura – pode achar que há um belo futuro aguardando uma juventude que vai de
revólver pra escola, e lá não absorve conhecimentos, mas um baseado ou uma
carreirinha maneira. Sim, uma pesquisa realizada pela Unesco em 14 capitais do
país aponta que entre 9%¨e 18 % dos estudantes brasileiros têm ou já tiveram
contato com armas de fogo.
Paro por aqui, já que, apesar destes
tristes tempos verdes e amarelos ( as cores do vômito, papito ),lembro também
de tantos poetas, jornalistas e escritores que, ao longo de minha vida de
leitor apaixonado, me deram toques de esperança, força e fé na mudança.
De um especialmente – o poeta Tiago de
Melo – com seu verso comovido e repleto de coragem: “Faz escuro, mas eu canto!”
Talvez meu pequeno cantar sirva de
guia do homem e mulher de amanhã. E que, lendo mais, ele/ela evitem ter como
única opção pra mudar a vida mostrar a bunda ( e a alma ) ou engolir baratas (
e a dignidade ) diante das câmaras de televisão.
Ulisses
Tavares , escritor e professor, sempre leu muito. Não ficou rico com isso. Mas
deixou de ser pobre de espírito rapidinho.
Revista Discutindo
Literatura . Ano 1 * nº 3
Nenhum comentário:
Postar um comentário