O presidente Jair Bolsonaro no cotidiano do governo padece de uma paradoxal dificuldade institucional de comunicação, que não existia no candidato Bolsonaro, que teve justamente na capacidade de interação direta com o cidadão um dos trunfos para ser eleito. Deixar a campanha eleitoral para governar parece ser uma impossibilidade para políticos populistas.
Na primeira, utilizando as novas mídias, Bolsonaro, segundo Manoel Fernandes, diretor da revista digital BITES, reanimou parte da sua audiência digital pouco entusiasmada com debates sobre economia, como a reforma da Previdência, e que se ressentia de debates mais inflamados em torno de uma agenda de costumes.
No outro caso, quando se referiu ao papel dos militares na democracia, tudo indica que cometeu no mínimo um ato falho, quando o inconsciente revela uma opinião reprimida. Ao dizer que a democracia só existe no Brasil porque os militares “querem”, Bolsonaro se expressou mal, conforme explicaram vários assessores, mas, diante de seu passado de defesa do golpe militar de 64, causou temor de que considere mesmo que a democracia é uma concessão dos militares aos civis.
O porta-voz do governo, General Rêgo Barros, citou o cientista político americano conservador Samuel Huntington para garantir que o sentido da fala do presidente foi o de enaltecer o trabalho das Forças Armadas na defesa da democracia:
— O controle civil objetivo, propugnado por Samuel Huntington, advoga que as Forças Armadas devem ser a fortaleza desse controle civil. Naturalmente, as Forças Armadas brasileiras já o são, por defenderem veementemente a democracia.
O mesmo Huntington fora citado pelo General Villas Bôas, então comandante do Exército, no Twitter, “Samuel Huntington nos instiga: ‘A lealdade e a obediência são as mais altas virtudes militares; mas quais serão os limites da obediência?’ O Estado, ao nos delegar poder para exercer a violência em seu nome, precisa saber que agiremos sempre em prol da sociedade da qual somos servos”, escreveu em novembro de 2017.
No episódio do vídeo pornográfico que mostrou em seu twitter, segundo análise da BITES divulgada pela consultoria Arko Advice, o presidente revelou que ainda tem forte apoio dos seus eleitores, e conta com o silêncio tático daqueles que votaram nele, mas que discordam dos seus posts no Twitter. O sentimento antipetista ainda não arrefeceu, o que o favorece.
Entre os 556 posts publicados pelo presidente no Twitter desde a sua posse, “O que é Golden shower” é aquele de maior dispersão digital, com 57.639 compartilhamentos, e o quarto de maior adesão desde janeiro.
Antonio Egidio Nardi, Professor Titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) considera que “o mundo informatizado, onde todos temos um computador na mão, exige um aprendizado de repassar dados, opiniões, filmes, fotos e sentimentos. As pessoas do poder estão a um toque de milhões de seguidores”.
Esta aproximação, ressalta Nardi, acaba se traduzindo em uma desmistificação de que os poderosos são perfeitos. “A educação e a ética nas mensagens e postagens devem fazer parte do aprendizado atual. Cenas violentas e obscenas, radicalismos e falta de educação podem chegar a qualquer um e nem sempre serão bem vindos”.
Um novo governo, qualquer que seja ele, tem que aprender a ser governo no mundo digital, e demonstrar seu poder de influenciar e criar opinião. “As opiniões pró e contra formarão o perfil do novo governo, moldando o seu estilo ao longo do tempo. A velocidade da informação e seu alcance positivo ou negativo muda a todos, e nós mudamos e moldamos a qualidade das informações que passamos ao mundo, para melhor ou pior”.
Segundo a revista BITES, os apoiadores de Bolsonaro foram capazes de reagir consistentemente nas redes sociais para defender o presidente no caso do vídeo, mas ainda não foram convencidos da real necessidade de uma mudança no atual sistema previdenciário. “Bem treinados, podem ajudar bastante na votação no Congresso, pressionando parlamentares contrários ou indecisos”.
As críticas que tem recebido, mesmo que não tenham a capacidade de abalar sua popularidade entre os aficionados, devem lembrar ao presidente que ele foi eleito por muitos cidadãos que não se engajam em suas cruzadas moralistas. O importante é distinguir os interesses eleitoreiros imediatos daqueles do Estado brasileiro.
Merval Pereira
O Globo 10/03/19
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