Proposta de reforma para os militares mostra que Bolsonaro continua o mesmo. Sua conversão ao liberalismo era conversa de campanha
A campanha de 2018 fabricou um novo Jair Bolsonaro. Ele se dizia convertido ao liberalismo, embora admitisse não entender nada de economia. Ao ser questionado sobre algum tema concreto, escapava com um gracejo: “Vou perguntar lá no Posto Ipiranga”. Era uma referência a Paulo Guedes, anunciado como futuro ministro da Fazenda.
O aval do banqueiro bastou para convencer o mercado. Com os parceiros habituais em apuros, empresários e investidores arrastaram todas as fichas para a candidatura do “Mito”. Agora eles começam a se perguntar se fizeram a aposta certa.
Nos últimos dias, Bolsonaro indicou que não está tão empenhado em entregar o que prometeu. “Eu, no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência”, disse, na quinta-feira. Ele acrescentou que seria “irresponsável” não mexer nas aposentadorias, mas a primeira frase foi a que soou mais sincera.
Não é só com palavras que o presidente mostra a que (não) veio.
Na quarta-feira, ele levou ao Congresso um projeto de reforma para as Forças Armadas. Em vez de cortar privilégios, incluiu benesses como o reajuste dos soldos e o aumento da gratificação no fim da carreira. Até o líder do PSL, Delegado Waldir, reclamou do truque.
“Não tem como explicar esse tratamento diferenciado”, resumiu. O episódio mostra que Bolsonaro continua a pensar como chefe do sindicato dos militares. Sua versão liberal era fake news de campanha, assim como o kit gay, a ameaça comunista e a conspiração para fraudar as urnas eletrônicas. Na viagem ao Chile, o presidente deu novos tiros contra a reforma.
Questionado sobre a prisão de Michel Temer, culpou os “acordos políticos em nome da governabilidade”. Os parlamentares entenderam o recado: ele não está disposto a fazer concessões para mexer nas aposentadorias.
Com o ambiente político em chamas, o segundo-filho Carlos Bolsonaro resolveu jogar mais gasolina na fogueira. “Por que o presidente da Câmara está tão nervoso?”, provocou nas redes sociais, referindo-se à prisão de Moreira Franco.
O ex-ministro é sogro de Rodrigo Maia, que passou uma descompostura no chefe do clã:
“Ele precisa ter mais tempo pra cuidar da Previdência e menos tempo cuidando do Twitter”. Há duas semanas, o ministro Guedes disse que só faltariam 48 votos para aprovar a reforma. A declaração irritou líderes partidários, que traçam um cenário muito mais complicado. A paciência do mercado também começou a se esgotar, mas quem comprou o “Mito” em 2018 sabia estar diante de um papel de alto risco.
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