RIO - Se você tem achado as ruas do Rio mais poéticas, ainda que nestes tempos difíceis, não é por acaso. É que o slam, uma batalha de poesias nascida em Chicago, nos anos 1980, tem conquistado cada vez mais espaço na cidade. A prática, que começou quando o americano Marc Smith passou a recitar versos em bares, chegou ao Brasil, via São Paulo, em 2008. Foram necessários cinco anos até que o movimento aportasse também na capital fluminense, mas, de 2013 para cá, a guerra de versos foi, devagarinho, ganhando adeptos e, hoje, já há mais de dez grupos por aqui.
— As pessoas estão muito indignadas pelas questões que o país enfrenta, de gênero, etnia, religião, ética. É normal que a juventude transforme isso num material criativo e coloque sua indignação na poesia — observa o antropólogo, escritor e poeta Paulo Emílio Azevedo, um dos criadores do Slam Tagarela, o primeiro do Rio.
O Slam Tagarela surgiu no vácuo das manifestações de 2013 contra o aumento da tarifa de ônibus e a realização da Copa do Mundo no Brasil. O primeiro evento foi no Largo de São Francisco, no Centro. Caixotes de feira fizeram as vezes de palco e um megafone, que acabou virando o símbolo da trupe, de microfone. Os “candidatos” recitavam poesias um a um, e a plateia elegia os melhores com palmas. Hoje, as palmas foram substituídas por cartazes de bonequinhos
— Era, e continua sendo, uma coisa bem informal. As pessoas chegam e se inscrevem na hora para participar. Recitam poemas sem limite de tempo. Moradores de rua ajudam a avaliar. O Slam Tagarela é bem popular, como a poesia tem que ser — diz Paulo Emílio.
Parceira do antropólogo na concepção do Tagarela, a poeta Letícia Brito resolveu criar, no ano passado, com amigas, uma versão carioca do Slam das Minas, que surgiu em Brasília, em 2016, como um espaço para as mulheres falarem de suas questões.
— É importante ter um espaço acolhedor para as mulheres. Muitas vezes, queremos escrever sobre machismo, sobre agressões que sofremos e nos sentir à vontade para mostrar isso. Homens podem ir, mas não podem falar ao microfone — explica Letícia, que tem mais de cem poesias escritas.
Ao contrário do Tagarela, o Slam das Minas tem regras: segue as estabelecidas por Smith. O poema recitado tem que ser autoral e ter até três minutos. O poeta não pode usar acompanhamento musical nem figurino ou objeto cênico. O júri é composto por cinco pessoas escolhidas aleatoriamente na plateia, que devem dar notas de zero a dez. Nas edições, mensais, 20 pessoas se apresentam, e uma é eleita vencedora. No fim do ano, há uma competição entre os melhores de cada mês. O vencedor conquista uma vaga no campeonato estadual de slam. Quem ganha, segue para o brasileiro, de onde sai o representante para a Copa do Mundo de Slam, na França.
— Nas batalhas locais, o prêmio para quem vence é, geralmente, um livro ou uma peça de artesanato doada pelo público — conta Letícia, acrescentando que a edição comemorativa de um ano do Slam das Minas acontece no próximo dia 12, às 18h, no Largo do Machado, onde tudo começou.
Para incentivar a literatura e a poesia marginal dentro da favela, Sabrina Martina, criou, com amigos, o Slam Laje, no Complexo do Alemão, onde mora. Os eventos são mensais: o próximo, para celebrar um ano do evento, será no dia 27 de maio, às 18h. Interessados em colaborar com a festa para as crianças, que formam boa parte da plateia, pode mandar mensagem na página do grupo no Facebook.
— Quem vai a um slam absorve muito conteúdo. Falamos sobre racismo, a violência que vivemos no dia a dia. Queremos conquistar novos moradores, incentivá-los a escrever e a aprender. Com as redes sociais, a poesia tem chegado cada vez mais longe. Os poetas e MCs gravam vídeos e as postagens ganham o mundo — conta Sabrina, que se apresenta como MC Martina.
Muitas das gravações são feitas pela Grito Filmes, produtora com mais de 300 mil inscritos em seu canal no YouTube, que criou o quadro “Literatura e poesia marginal”, com vídeos com mais de um milhão de visualizações, de nomes como o rapper Xamã.
— O slam é como a batalha de rimas dos MCs, só que mais ameno. E, como o rap, é resistência — diz Ian Miranda, um dos fundadores da Grito, com orgulho. — Fizemos a galera do rap se interessar pela poesia.
stest
Nenhum comentário:
Postar um comentário