quinta-feira, 4 de maio de 2017

Artigo de Opinião - Anjo azul - Eugênio Cunha

Infelizmente, mesmo com apoio de familiares e educadores, boa divulgação na mídia, além de uma lei federal garantindo direitos e políticas públicas, encontramos casos de discriminação, intolerância e de exclusão

08/04/2017 
O DIA


Rio - Contam que em Florença, na Itália, durante o período da Renascença, uma grande pedra de mármore foi cortada para ser transformada numa escultura. Alguns escultores receberam a encomenda, porém nenhum deles foi capaz de decidir o que fazer. Todos desistiram do trabalho, passando o desafio para as mãos de Michelangelo.

Tempos depois, no lugar daquela pedra estava esculpida a imagem de um anjo. “Vi o anjo adormecido dentro da pedra, esperando para ser libertado”, disse o artista.
Pais de autistas costumam chamar seus filhos de anjos azuis. Azul é a cor do autismo, e abril é um mês repleto de eventos que revelam a luta pela inclusão social da pessoa com o espectro. Nesse sentido, penso que a história de Michelangelo pode nos ensinar algumas coisas. 

O transtorno do espectro autista atinge milhões de pessoas no mundo, trazendo consideráveis dificuldades na interação social e na comunicação. Aparece nos primeiros anos de vida, proveniente de causas ainda não totalmente conhecidas, trazendo incertezas que dificultam, em muitos casos, diagnóstico precoce e um tratamento adequado.

Ele tem demandado estudos e indagações, permanecendo ainda desconhecido de grande parte das pessoas. Não há padrão fixo na sua manifestação, e os sintomas variam grandemente.

Infelizmente, mesmo com apoio de familiares e educadores, boa divulgação na mídia, além de uma lei federal garantindo direitos e políticas públicas, encontramos casos de discriminação, intolerância e de exclusão, consequências de um olhar preconceituoso, que já deveria ter sido superado na contemporaneidade.

Por isso, como Michelangelo, precisamos enxergar para além do mármore e ver o anjo que está aguardando para ser lapidado. O professor Rubem Alves dizia que nós não vemos o que vemos, mas vemos o que somos. Por essa razão, enxergamos beleza na vida, porque a beleza está dentro de nós. 

Um olhar desprovido de preconceitos traz a possibilidade de convivência com o outro. Dessa forma, nos tornamos mais semelhantes no amor e na solidariedade, estabelecendo as bases para a formação de uma sociedade inclusiva.

Daí nasce a compreensão de que para além de qualquer condição decorrente do autismo estará a condição humana do autista. Afinal, em nossas semelhanças ou em nossas diferenças somos todos iguais.

Eugênio Cunha é professor e jornalista

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