Neste domingo, 2 de outubro, quando você escolher seu prefeito – com um voto convicto, ideológico, útil, desesperado, desiludido, pragmático ou nulo –, estará exercendo um direito inalienável da democracia. Uma democracia se distingue de uma ditadura por oferecer à população eleições livres. Uma democracia também zela pelo respeito aos direitos humanos, pela garantia da liberdade de expressão e pela punição à barbárie, especialmente se cometida pelo Estado.
Às 16h30 em ponto, alguns eleitores, não muitos, lembrarão que, exatos 24 anos atrás, uma força armada de 74 PMs de São Paulo invadiu a penitenciária do Carandiru e assassinou, em meia hora, 111 presos amotinados, com uma média de cinco tiros por corpo, muitos disparados pelas costas e na cabeça. Nenhum PM morreu ou foi baleado. As fotos correram o mundo. As mais impressionantes eram vermelhas de sangue. O Carandiru tinha se transformado num açougue humano. O massacre era evidente. As vítimas estavam seminuas e desarmadas. Empilhadas e mais sujas do que carnes animais num abatedouro.
Uma briga no pavilhão 9 provocara um conflito. Presos haviam montado barricadas. Água escorria das escadas, começava o fogo. O comandante Ubiratan Guimarães ordenou a invasão da PM depois de conversar com o então secretário da Segurança Pública, Pedro Franco de Campos. Os presos jogaram facas pela janela. No 1º andar, 15 foram mortos. No 2º andar, 73. No 3º andar, 8. No 4º andar, 15. Entre os PMs que “cumpriram ordens”, estavam a Rota, o Comando de Operações Especiais (COE) e o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate).
Em 2001, o coronel Ubiratan foi condenado a 632 anos de prisão. Ubiratan chegou a se eleger deputado e seu número de candidato terminava em 111. Em fevereiro de 2006 foi absolvido, em setembro de 2006 foi encontrado morto. Todos os PMS foram condenados, em cinco julgamentos, a penas de 48 anos a 624 anos de prisão. Nenhum foi preso. Recorriam em liberdade. O governador Luiz Antônio Fleury Filho não foi sequer processado. E está na executiva estadual do PMDB.
Na semana passada, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou todos os júris. O desembargador Ivan Sartori foi além. Pediu não só a anulação, mas a absolvição dos 74 PMs. “Não houve massacre, houve legítima defesa”, declarou Sartori. “Houve obediência hierárquica. Houve estrito cumprimento do dever legal.” Sartori não nega que, entre eles, “possa ter havido algum assassino”. Mas diz que ele é o “julgador” e não se deixará influenciar “pela imprensa” ou por grupos de direitos humanos.
“Como assim? Aquilo foi um extermínio, como em Auschwitz (campo de concentração nazista)”, lembra Sidney Sales, sobrevivente do massacre do Carandiru. Sidney era um dos detentos encarregados da faxina e distribuição de comida. Hoje ele se dedica a recuperar viciados em drogas.
Quem é o desembargador Sartori? Em fevereiro de 2013, foi condecorado pela tropa de choque da PM com uma medalha por “relevantes serviços prestados” – referência ao apoio de Sartori para “a elevação do nome da Polícia Militar” de São Paulo. Uma tropa que tem agido com truculência inaceitável nas ruas e nas manifestações. Foi a quinta medalha que Sartori recebeu da PM. Disse sentir “um orgulho muito grande” pelo respeito à PM e “pela escolta, guarda e segurança” que a instituição garante à corte. O filho do desembargador, Guilherme Sartori, candidato a vereador, visitou o centro de operações da PM há cerca de dez dias.
Nova sessão sobre Carandiru será convocada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com mais dois desembargadores. Terão de escolher entre a anulação e a absolvição. Não há data marcada ou prevista. Os promotores entrarão com recurso no Superior Tribunal de Justiça para manter as condenações.
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