terça-feira, 12 de julho de 2016

Crônicas do Dia - Horrível, Paes - Arnaldo Bloch

Ele é da gema. Ele é esperto. Ele samba. Usa sapatos coloridos. Um pândego. Uma versão cool do Cesar Maia


Semanas atrás foi publicado no Facebook um áudio em que a suposta voz do prefeito do Rio, Eduardo Paes, fazia um desabafo, sob o título: “Prefeito zomba da queda da ciclovia’’. Mais tarde, desiludido, descobri que era uma imitação atribuída ao humorista Marcelo Adnet. Transcrevo parte do áudio (que viralizou, e é fácil de achar na internet, é de morrer de rir), mantendo alguns palavrões e abreviando outros:

“Qualquer coisa em que eu me envolvo vira merda. É o Rei Merdas (trocadilho com Rei Midas). É ‘f’!, porque eu tenho craquejo, tenho carcaça, tenho história política, posicionamento. Mas porra!, com essa pressão fica ‘f’. (A voz se torna risonha, de quem se gaba) É ‘f’! Prefeito da melhor cidade do mundo! Todo mundo tem inveja de mim pra ‘c’., até a Dilma. Chego em convenções e olho pra cara dos prefeitos, todo mundo com inveja. Pode cair ciclovia, pode acontecer o que for, porque tá tudo na Olimpíada. Agora, tá pica, tá pica pra ‘c’’’.

Confesso que, quando ouvi, de fato acreditei piamente que fosse o nosso prefeito. Não só pelo timbre, pela fala acelerada, eufórica, esperta e fragmentada que é típica de Paes, mas porque ali estava um pensamento, um discurso, que poderia perfeitamente frutificar num desses arroubos do síndico aos quais o cidadão vai se acostumando, resignado, e até com certa boa vontade.

O desabafo não foi uma farsa. Quisera tivesse sido... Mas foi de voz própria, em inglês e diante dos microfones e das câmeras da CNN, que Paes, todo pimpão, disse que a segurança do Rio é “horrível, terrível”, sem se dar conta de que, por mais problemas endêmicos, gerenciais e financeiros que tenha nossa polícia, “horrível, terrível” é ele. Horrível é, diante da opinião pública internacional, reduzir a complexidade do problema da segurança na cidade a dois adjetivos extremados, como se o Rio estivesse em convulsão, como se a insegurança aqui fosse novidade, como se não houvesse uma polícia. Se Paes fosse um homem público de certa grandeza, se estivesse mais preocupado com a cidade do que em urinar na cabeça do governador em exercício, teria respondido ao entrevistador da CNN que a segurança do Rio é regida por uma cultura antiga, que frequentemente é truculenta com os próprios cidadãos, principalmente com os que estão em situação de penúria e com os negros, que as UPPs estão em processo de decadência, mas que não é uma polícia inoperante, e que, mal ou bem, aos trancos e barrancos, patrulha a cidade. Que está com os salários atrasados, mas que, graças a um aporte federal, a situação está sendo regularizada. E que, com o apoio das Forças Armadas, tudo correrá na mais perfeita ordem.

Em vez disso, Eduardo Paes, muito cioso de desfilar seu inglês como se isso indicasse alguma qualidade intrínseca, preferiu reduzir a situação a “horrível” e “terrível” e fazer algumas ressalvas, sabendo que 99% das manchetes dos jornais, sites e das TVs do mundo inteiro não iriam escolher as ressalvas, mas os bojudos e garrafais adjetivos. Depois, descontraído (ou seria “descontrariado”?), Paes deu entrevistas locais às risadas, voltou a ser o Zé Carioca de sempre, minimizando o mal-estar, como é de seu feitio até quando tragédias batem à porta. Ele é da gema. Ele é esperto. Ele samba. Ele usa sapatos coloridos. Um pândego. Uma versão cool do Cesar Maia.

Voltando à gravação, se Paes, na realidade, não chegou a zombar da queda da ciclovia, como faz a voz do áudio, por outro lado chegou a quase descartar a responsabilidade da prefeitura na catástrofe, quando declarou que o grande erro, naquilo que dizia respeito às autoridades municipais, foi não ter interditado a pista diante da ressaca. Com isso, lavou as mãos quanto ao processo de contratação, à sobreposição de tarefas da empreiteira (que construía e fiscalizava) e a outros aspectos que, claramente, deveriam ter sido contemplados pelo chefe da cidade, se estivesse de fato preocupado com detalhes, com a qualidade das coisas nas quais suas mãos tocam (ninguém é Rei Midas à toa). E os buracos no novo Elevado do Joá? Nenhuma palavra sobre o asfalto amanteigado que cobre toda a cidade, camada sobre camada, como se nosso chão fosse um pão dormido.

Tudo isso é muito bom para Eduardo Paes. Funciona mais ou menos como uma nuvem de factoides. Ele fala grosso com jeitinho, pede vergonha na cara, peita o Francisco Dornelles, fala inglês na CNN, diz que tá horrível, e assim ninguém se lembra de que ele foi citado na Lava-Jato e é investigado no STF, por exemplo. Ninguém pensa no que há ainda a emergir das águas por ora turvas do Porto Maravilha. Nas aparências, resta a bendita derrubada da Perimetral, que permitiu a reformulação que está sendo feita no corredor cultural, com o cais, os bondes e tal. Embora, diante da reação contrária dos taxistas e dos automobilistas em geral, ele tenha dito, segundo consta, não se lembrar mais de quem foi o FDP que sugeriu acabar com a via expressa. Essa, pelo menos, não desaba mais... Boato ou não, piada ou não, é verossímil. Tomara que os bondes não tombem. Que não morra alguém. Tomara que alguma coisa fique de pé, Paes. Porque, de resto, do jeito que está, a coisa está horrível, terrível, para o seu lado.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/horrivel-paes-19676479#ixzz4EEcMflEM

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