Professor associado do Departamento de Sociologia da USP, Ruy Braga afirma que a aprovação do projeto que facilita a terceirização significa na prática o fim da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e um aumento acentuado da taxa de desemprego. Do ponto de vista das contas públicas, a expansão da terceirização também será um desastre, pois as empresas do setor recolhem menos impostos.
Autor de A Política do Precariado: do Populismo à Hegemonia Lulista (Boitempo) e A Pulsão Plebeia: Trabalho, Precariedade e Rebeliões Sociais (Alameda), Braga explica que, “se esse projeto de terceirização for aprovado, ele vai provocar uma mudança estrutural. Em poucos anos anos a concorrência entre as empresas fará com que a maioria do mercado de trabalho venha a ser composta por empregados terceirizados. Somente uma minoria de funcionários, aqueles considerados essenciais para que a empresa possa operar, permanecerão de fato contratados. Em cinco ou seis anos poderemos ter 30 milhões de terceirizados e apenas 15 milhões de contratados”.
Segundo ele, “o trabalho terceirizado é um trabalho profundamente degradado, pois tende a afastar o trabalhador do acesso a direitos como 13º salário e férias: o trabalhador terceirizado se submete a jornadas mais longas, é sub-remunerado e está submetido a uma taxa de rotatividade muito elevada. Para esses trabalhadores a CLT existe apenas como uma abstração, mas não como algo concreto, real”.
Ao contrário do que afirmam os defensores do projeto, “a terceirização produz desemprego, porque o trabalho terceirizado tende a desenvolver jornadas mais longas. No caso brasileiro, o trabalho terceirizado acrescenta em média sete horas de trabalho à jornada semanal. Isso enxuga postos de trabalho. Quando você tem menos trabalhadores trabalhando mais horas, então você na verdade tem menos postos de trabalho: toda vez que há terceirização ocorre um aumento do desemprego”.
O impacto da terceirização sobre as contas públicas também é desastroso porque “as empresas terceirizadas recolhem menos tributos e pagam salários menores. Isso é péssimo do ponto de vista tributário. O Estado sistematicamente perde arrecadação com o trabalho terceirizado”. Braga esclarece que, “se você introduz um intermediário entre o contratante e o contratado, não há como imaginar que isso vai gerar renda. Isso é uma falácia, uma bobagem. Se você está introduzindo um terceiro, é evidente que uma das partes vai perder: o trabalhador perde salário, e o governo perde arrecadação. As empresas terceirizadas arrecadam menos impostos e fecham com uma facilidade enorme”.
A rigor, “o mercado de trabalho terceirizado é uma terra de ninguém. As empresas terceirizadas abrem e fecham com muita facilidade. E, quando elas fecham, deixam o trabalhador a ver navios. Muitas dessas empresas recolhem impostos e Fundo de Garantia, mas não repassam para a Caixa Econômica Federal”.
A proposta de mudança, que elimina a distinção entre atividade-fim e atividade-meio, foi aprovada pela Câmara no ano passado e agora está tramitando no Senado. Segundo Braga, “a terceirização ameaça todos, mas atinge mais fortemente os trabalhadores subalternos. A razão é muito simples: as empresas precisam estabilizar aquela parte de sua força de trabalho que é essencial a suas atividades. Mas com os setores subalternos isso não ocorre. Aqueles trabalhadores não qualificados ou subqualificados, esses serão os primeiros atingidos. Essa massa de milhões de trabalhadores que entrou no mercado nos últimos 12 e 13 anos pela via do trabalho formal será diretamente afetada pela terceirização”.
No mundo inteiro a terceirização tem acarretado um aumento da desigualdade: “Toda vez que ocorre uma generalização do trabalho terceirizado surge uma oposição entre um núcleo bastante estável da força de trabalho e uma periferia bastante instável. Isso significa que a desigualdade entre a classe média e o restante da força de trabalho tende a aumentar muito. Isso amplia a concentração de renda, a concentração do poder dentro das empresas. Onde a terceirização entra há um aumento da desigualdade de classe, de raça e de gênero. Há também um aumento da fratura inter-geracional. Os mais velhos, que são mais protegidos, que ainda contam com a proteção das leis antigas, tendem a olhar os mais jovens como uma força hostil, e os mais jovens tendem a olhar os outros como privilegiados”.
Quando o projeto foi aprovado na Câmara, em 2015, Braga declarou que ele “selava o fim do governo do PT e o início do governo do PMDB”: “Eu mantenho isso. Do ponto de vista do direito do trabalho, da proteção social, os governos Lula e Dilma não fizeram nada de mais: nenhum direito trabalhista de fato foi criado. Houve um aumento da formalização do mercado. Isso é uma tendência importante, uma tendência que deve ser valorizada. Mas de fato não houve criação de direito nenhum. A valorização do salário mínimo também foi importante, mas não houve a criação de algo novo. O reconhecimento do trabalho doméstico pela CLT também foi importante, mas também aí não houve a criação de nenhum direito novo. O fato de os governos petistas, quando tinham maioria parlamentar, não terem promovido a criação de nenhum direito novo, isso é absolutamente indesculpável”.
Segundo Braga, isso resultou “das concessões que os governos petistas fizeram a setores empresariais como a mineração e agronegócio, que representam o atraso, a degradação ambiental e a espoliação econômica. Foram as concessões que esses governos fizeram a esses setores conservadores que prepararam essa ofensiva patronal, que se manifesta nessa agenda profundamente conservadora e deletéria: o projeto de terceirização, o de redução da idade laboral de 16 para 14 anos, o que permite a negociação direta entre empregador e empregado, a prevalência do negociado sobre o legislado. Há uma agenda enorme sendo gestada no Congresso brasileiro, porque o Congresso brasileiro é uma deformação da representação: 50% dos deputados são empresários ou pessoas ligadas a empresários. A terceirização é apenas um aspecto de um amplo ataque aos direitos trabalhistas”.
Ele assinala que antes “os petistas diziam que, mesmo que essas medidas pudessem ser aprovadas no Senado, a Dilma iria vetar. Agora não mais. O golpe parlamentar contra Dilma foi feito exatamente para que essa agenda conservadora pudesse ser aprovada e implementada. A nova Presidência da República coloca-se alinhada a essa agenda conservadora. A correlação de forças na luta parlamentar infelizmente é bastante ingrata”. Mas, segundo ele, “essa ofensiva é tão grande que vai motivar uma reação dos trabalhadores, pois a única saída para bloquear essa ofensiva é a mobilização de amplos setores da sociedade contra essa agenda. Porque, se ela for aprovada, não vamos retroceder só 30 anos: praticamente vamos voltar ao tempo da escravidão”.
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