Já de início o autor/narrador se justifica no conto como sendo a escravidão e a vida uma forma grotesca e cruel. “Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco e alguma vez o cruel”. E continua contando que “pegar escravos fugidios era um ofício do tempo”. Lembra também que “ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem”.
É um conto arrepiante. Candinho, pai fresco, neófito, e caçador de escravos, põe-se em perseguição a Arminda, mãe grávida e escrava fugitiva. Esta, ao ser apanhada por Candinho, lança um grito de horror, grito esse transposto magistralmente para o prelo, pela pena de Machado de Assis, com concisão, rapidez e unidade dramática. Um conto traçado, debuxado e finalizado nas ruelas da então escravocrata cidade do Rio de Janeiro, ruelas que testemunham o drama e a verdadeira exclusão e sofrimento do negro, e da negra Arminda. Finalizando com um ponto de ironia, o autor/narrador fria e quase cinicamente se redime, justificando-se, como se fosse um Pilatos a lavar as mãos e a dizer: “não tive culpa”. Um grito renegado, amordaçado e abafado, escrito em 1906.
Não obstante Machado ter ascendentes negros, foi respeitado e admirado pelos “intelectuais” de seu tempo “como se fosse um homem branco”, ambigüidade essa que perseguirá o autor durante toda a sua vida. Aliado a isso também o fato de não ter tido ou, quiçá, não ter podido ter filhos. Quem sabe para não legar a este(s) a miséria de sua condição mulata ?
O conto Pai contra Mãe é uma narrativa em terceira pessoa, que ocorre no Rio de Janeiro nos tempos do Império. Becos estreitos, sujeira, miséria fazem contraponto com a riqueza e a ostentação dos donos de escravos. Cândido Neves é um caçador de escravos fugitivos, profissão que lhe rende o sustento. Cândido casa-se com Clara e ambos sonham em ter um filho. Clara engravida, porém os escravos fugidios começam a escassear e Cândido fica séria dificuldade financeira; desesperado e sem saber o que fazer para sustentar o filho, o pai chega ao extremo de ter que optar por colocar o bebê na Roda dos Enjeitados, para a criança não morrer de fome. Cândido cogita mil saídas para ficar com o filho, não encontrando nenhuma, sai de casa com o filho nos braços para depositá-lo na Roda. No caminho vê uma escrava fugitiva, e entregando o menino para um senhor, sai em perseguição da negra. Pegando-a, ela lhe suplica liberdade e diz que está grávida e não quer ter um filho escravo. Nesse momento miséria e escravidão entram em luta. Cândido vence, e entrega a escrava ao seu dono. Vítima da violência implacável de seu senhor a escrava negra aborta a criança que esperava. Cândido recebe pela caça o dinheiro de que precisa para poder ficar com o filho e sustentá-lo. O conto termina com a frase de Cândido que tenta justificar sua tirania: Nem todas as crianças vingam... O autor mostra a miséria humana, através dos dramas paralelos de um pai contra mãe, lutando por duas vidas, onde o indivíduo é capaz de aplacar sua consciência, mesmo tendo cometido o maior dos crimes, justificando a troca de uma vida pela outra.
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