Fingimos que não, mas sabemos bem o que é ser intolerante, conhecemos todas as formas de preconceitos, racismos, radicalismos
O DIA
Rio - A intolerância volta atacar. No domingo, um desmiolado executou 50 pessoas em Orlando, nos EUA. Um grupo terrorista já assumiu o atentado. Nossa sorte, diriam alguns, é que somos um povo pacífico. Não, não somos nada pacíficos. Fingimos que não, mas sabemos bem o que é ser intolerante, conhecemos todas as formas de preconceitos, racismos, radicalismos. E a ideia de que o Brasil é ‘paz & amor’ me lembra uma história tão assustadora quanto essa dos EUA.
Em 22 de julho de 2011, o norueguês Anders Behring, 32, abriu fogo contra dezenas de jovens numa ilha em seu país. Matou nada menos que 77 deles — muitos, à queima-roupa. Não eram conhecidos, mas Anders os tinha por inimigos. Foi um choque internacional, sobretudo por envolver um povo pacífico, com alto nível de vida, sem conflitos sociais, sempre longe de notícias tristes.
Apesar de cercado pela polícia, Anders não foi morto nem se matou, como ocorre frequentemente em casos desse tipo. Preso, julgado e condenado, ele deve passar algumas encarnações atrás das grades, com o mínimo de contato social. Não teve permissão sequer para acompanhar o enterro da mãe, meses após a condenação.
Nazista da nova geração, Anders quer se tornar um líder mundial da direita mais podre e rancorosa. Mesmo na cadeia, planeja primeiramente articular uma federação carcerária pan-europeia de nacionalistas militantes. É aí que mora o perigo. O nazismo do século 21 conta com tecnologia de primeira, frequentemente fora do alcance das forças de segurança.
Não é por acaso que esse episódio absurdo da distante Noruega nos serve de alerta contra a pequenez humana. A história toda é contada em detalhes em ‘Um de nós’, da norueguesa Asne Seierstad — autora do megaultrabest-seller ‘O livreiro de Cabul’. Ela investiga a vida de Anders desde a infância, entrevista parentes das vítimas e sobreviventes e acompanha o julgamento do assassino.
Mais do que descrever as terríveis cenas do massacre, a ação tardia da polícia e a incredulidade de todos, Asne levanta questões que também podem bater à nossa porta qualquer hora dessas. Quem garante, por exemplo, que já não existam entre nós alguns representantes dessa rede do mal?
Curioso é que, assim como outros inúmeros jornalistas, Asne tentou entrevistar Anders, mas ele não deu bola. Temeu que as reportagens a seu respeito pudessem assassinar seu caráter. Sim, ele jura que o tem, e que foi justamente isso o que o motivou. Assustador, porque o não nos falta são homens de caráter nos rodeando.
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