sexta-feira, 18 de março de 2016

Crônicas do Dia - Presentes, conferência e imóveis - Artur Xexéo


Estou cercado por pessoas que citam alíneas do Código Penal, todos têm algo a dizer sobre condução coercitiva


Vivemos numa época em que todo mundo tem que ter uma opinião formada sobre condução coercitiva. Não é fácil. Há pouco mais de uma semana, eu nunca tinha ouvido falar em tal expressão. Talvez até já tivesse ouvido, mas não tinha prestado atenção. Agora, não tem jeito. Estou cercado por pessoas que me citam artigos da Constituição, alíneas do Código Penal, atribuições da Polícia Federal, todos têm algo a me dizer sobre condução coercitiva. E algo muito bem fundamentado. Apesar do esforço de todos que me cercam, não formei opinião. O juiz Sergio Moro exagerou ao levar Lula para depor na Polícia Federal com um mandado de condução coercitiva? Ou, neste caso, não se usa mandado?

Mal tinha aprendido a soletrar a palavra “coercitiva” quando me vi de novo cercado de saber jurídico. Agora, todo mundo tinha algo a dizer sobre a denúncia do Ministério Público de São Paulo que pede a prisão do ex-presidente Lula. Os argumentos não se sustentam, me dizem todos. Até o Aécio, aquela oposição que está sempre em silêncio, apareceu para dizer que todos precisamos ter cautela. Aguardo a próxima crise para ver o Aécio recomendar canja de galinha.

Não sei se Lula é culpado ou não de algum crime. Pelo visto, nem a Justiça está conseguindo provar sua culpa, nem ele está conseguindo provar sua inocência. Mas, como cabe ao acusador o ônus da prova, Lula tem todo o direito de seguir sua vida em paz. Mas, cada vez que aparece no centro das discussões, e mais um ou outro fato, um ou outro comportamento vem à tona, o ex-presidente me causa estranheza. Por exemplo, por que ele acha tão natural morar sempre em algum imóvel emprestado? Bem, ele insiste que não ia comprar nem morar no tríplex do Guarujá. Eu entendo. Aquele apartamento é tão cafona, a reforma que a OAS fez nele é tão nouveau-riche, que eu também negaria a propriedade. Mas, quanto ao sítio em Atibaia, que não é dele, aí, sim, ele admite que o usava. Era um sítio emprestado. O ex-presidente não tem dinheiro para comprar seu próprio sítio? Reproduzo aqui algo que Lula disse no discurso que fez na sede do Partido dos Trabalhadores, logo após ter deposto na Polícia Federal: “O Brasil era motivo de orgulho e por isso eu virei um conferencista importante. (...) Por isso, eu me transformei no conferencista mais caro do mundo junto com o Bill Clinton”. Vem cá, o conferencista mais caro do mundo não pode comprar um sítio em Atibaia? Porque já ficou claro que os donos do sítio, amigos de Lula, não têm o menor interesse em usar o imóvel. Eles compraram o sítio dois meses antes de Lula sair da presidência. Durante esse período, o sítio foi reformado pela OAS. Aposto que se Lula fizer uma oferta, eles vendem.

Acho estranho também o orgulho com que o ex-presidente Lula se refere aos presentes que recebeu no exercício do poder. Foi ele quem disse, ainda na sede do PT: “Sabe o que é sair da Presidência com onze contêineres de acervo sem ter onde pôr? Vocês sabem o que é sair com cadeira, com trono, com papel, com tudo que você possa imaginar porque, se somar todos os presidentes da história deste país, desde Floriano Peixoto, eu fui o que ganhei mais presentes?”. Eu entendi mal ou o presidente saiu de Brasília com onze contêineres carregados de presentes? E ele tinha o direito de ficar com esses presentes?

Bem, tentando adquirir saber jurídico, como todo mundo hoje em dia, descobri o decreto-lei número 4.801, de 11 de janeiro de 2002, que estabelece o código de conduta ética dos agentes públicos em exercício na Presidência da República. No Artigo 10 desse decreto, fica vedado ao presidente receber presentes. O decreto não considera presentes “os brindes sem valor comercial ou que sejam distribuídos de forma generalizada por entidades de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, desde que não ultrapassem o valor de cem reais”. Para encerrar a questão, o decreto estabelece ainda que “os presentes que, por qualquer razão, não possam ser recusados ou devolvidos sem ônus para o agente público, serão incorporados ao patrimônio da Presidência da República ou destinados a entidade de caráter cultural ou filantrópico”.

Vem cá, não seria o caso de Lula explicar que presentes são esses que encheram onze contêineres quando ele deixou a Presidência?...

No meio de toda essa tragédia, a deputada Jandira Feghali nos ofereceu alguns momentos de humor com o vídeo caseiro que gravou na sede do PT. “Nós estamos aqui com ele. Ele está muito tranquilo...”, diz ela, enquanto, ao fundo, o ex-presidente esbraveja: “Eles que enfiem no %#$ todo o processo”.

Segundo Jandira, Lula estava falando com a presidente Dilma. Se Lula fala assim com a Dilma, imaginem como ele fala com a Jandira.



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