Adaptação de Pedro Bandeira de um texto de Antonio A. Batista
Nesses tempos globalizados, a formiga era a mais moderna das executivas.
Passava a vida formigando de verdade. Esfalfava-se e trabalhava sem parar. Poupava cada centavo, mas não poupava preocupações.
Com tanta dedicação, é claro que sua conta bancária ia bem, apesar das oscilações da bolsa,
dos aumentos da taxa básica de juros, das medidas do Banco Central e das cotações dos fungos no Mercado Futuro. Mas vivia também roendo-se de raiva ao ver a cigarra, com quem estudara no colégio, sempre torrando dinheiro, metida em shows e boates, acompanhada de socialites e clientes libidinosos. E vivia a formiga a dizer por dentro:
– Ah, ah! No inverno, tu hás de aparecer por aqui, a mendigar o que não poupaste no verão! E vais cair dura com a resposta que tenho preparada para ti!
Ruminando sua terrível vingança, voltava a formiga a tesourar e entesourar investimentos e lucros, incutindo nos filhos hábitos de poupança, consultando advogados e... tomando vasodilatadores.
Um dia, quando voltava de um almoço no Fasano com os japoneses da informática, encontrou a cigarra no Shopping Iguatemi, cantarolando como de costume.
“Lá vem ela dar a sua facada!”, pensou a formiga. “Ah, ah! Finalmente chegou a
minha vez!”
Mas, para sua surpresa, a cigarra aproximou-se só querendo saber como estava ela e como estavam todos no formigueiro. A formiga, remordida, preparando o terreno para sua terrível vingança, comentou:
– A senhora andou cantando todo este verão, não foi, dona Cigarra?
– É claro! – disse a cigarra. – Adoro cantar.
– Agora no inverno é que vai ser mau – continuou a formiga, com toda a maldade na voz. – A senhora não depositou nada na poupança, não é?
– É verdade. Mas não faz mal. Acabei de fechar um contrato com o Olympia de Paris por duzentos mil dólares...
– O quê?! – exclamou a formiga. – A senhora vai ganhar duzentos mil dólares no
inverno?
– Ah, não. Isso é só em Paris. Depois, tenho a excursão a Nova York, depois Londres, depois Amsterdã...
Aí a formiga pensou no seu trabalho, nas suas azias, na sua vida terrivelmente cansativa e nas suas ameaças de enfarte, enquanto aquela inútil da cigarra ganhava tanto cantando e se divertindo! E perguntou:
– Quando a senhora embarca para Paris?
– Na semana que vem... Por quê?
– Pode me fazer um favor? Quando chegar a Paris, procure lá um tal La Fontaine e diga-lhe que ele vá para o raio que o parta!
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