sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Crônicas do Dia - O corriqueiro que nos salva - Luiz Antonio Simas

Desejo um mundo com menos adultização da infância e menos infantilização de adultos


O DIA
Rio - E o ano de 2015 vai cantando para subir. Para muitos, é para ser despachado na encruza mais próxima como um espírito obsessor dos piores. Para outros, naturalmente, deve ter sido um ano de conquistas e coisas boas. Esta obviedade — 2015 foi um ano como outro qualquer; terrível em alguns aspectos, bom ou indiferente em outros — parece escapar quando, por exemplo, percorremos as redes sociais. Nelas, ou estamos todos felizes ou a humanidade fracassou definitivamente e é melhor que seja extinta sem choro nem vela. E com todo mundo se xingando, é claro.

Corriqueiramente falando (é o que sei fazer; vivo de coisas corriqueiras, distante de cenas espetaculares), saio de 2015 com a impressão de que as potências da vida continuam se estabelecendo nas miudezas que bordam a sobrevivência cotidiana. O Rio Doce foi ferido de morte, a intolerância campeia (como sempre, e não “como nunca antes”), o preconceito grassa, o mundo guerreira, os homens se matam e fazem questão de nos lembrar de que, entre anjos caídos e diabos em ascensão, não há o que nos redima inapelavelmente ou nos condene de vez.

Mas sou, como disse acima, de coisas corriqueiras. As potências estão aí, com questões colocadas e feridas expostas. O cotidiano continua sendo constantemente reinventado nas brechas onde as mulheres e homens comuns — como eu e os leitores — dão o nó no rabo da caninana, choram, gargalham, nascem, morrem, celebraram, balançam os corpos, seguram a onda batendo na palma da mão, molham a garganta com gorós diversos e remam na terceira margem do rio: entre a vida plena e a morte certa, há quem ouse sobreviver e fazer disso a matéria-prima para construir outros mundos: mínimos, frágeis, momentaneamente alegres, ocasionalmente sublimes e desafiadores.

É com esse olhar corriqueiro, o meu olhar, que desejo para o ano que chega um mundo com menos adultização da infância e menos infantilização de adultos. Que trabalhar passe a ser brinquedo e brincar possa ser trabalho. Que sacralizemos os rios e profanemos os automóveis; exatamente ao contrário do que estamos fazendo.

É provável que nada disso se concretize. Não obstante, em alguma esquina ao sul do Equador, à margem dos poderosos e ziguezagueando para escapar do chumbo grosso (feito Garrincha driblando um João), alguém sempre há de tocar o zaralho e soprar em nossos ouvidos que a festa continua. A alegria, sobretudo onde ela é quase inexplicável, é o sentimento mais potente de subversão dos mundos que ousamos criar. Feliz 2016!

E-mail: luizantoniosimas67@gmail.com

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